À MOÇA QUE PASSA

À MOÇA QUE PASSA

Ofereço este conto, simples de coração, ingênuo em seu íntimo, àquela moça que vem e que passa e sempre volta no outro dia. Seu caminhar, atlético, apressado, compassado, desperta em mim algo meio assim, curiosidade, simpatia, atração – paixão. Oh, doce paixão que aflorou em meu peito fazendo de mim pobre diabo em busca de redenção! Vejo-te passar, quero falar-te, tocar-te, beijar-te, declarar-me – e, não sabes, mas um dia desses me declarei a ti, e você soube então o quanto lhe queria, mas foi tudo em sonhos; sim, se ainda não sabia eu sonho com você!

Você vinha com a luz do sol, no crepúsculo, a banhar seus cabelos esvoaçantes ao vento suave que também fazia questão de beijá-los. Não percebeu, mas às árvores, nas copas delas, havia um coral de pássaros a anunciar seu chegar, seu passar, seu desfilar. Juro que veio também alguns querubins lá do céu enviados pelo Criador para seguirem a sua frente velando por ti.

Eu, como sempre, estava a soleira de meu portão com o coração acelerado, descompassado, maltrapilho de coragem para declarar, mas veio ao meu ouvido, um daqueles anjos que vinha adiante de você dizer que tudo estava arranjado para nós, não havia outro caminho para seguir se não seguirmos juntos. Como vinha este conselho de um anjo e não do Zé, o meu fiel companheiro a quem confiei-te a ele em segredo, enchi meu peito de coragem e disse a mim mesmo que era hora de fazer-te saber tudo que sentia por ti.

Quando chegou perto de mim, as pernas tremiam mais ainda que antes, as mãos suavam e buscavam-se uma a outra atrás de mim. Mas os olhos, que são sempre a janela de nossa alma, buscaram nos seus a sua alma que parecia buscar também a minha. Seu sorriso simpático cativou-me mais ainda e supriu meu íntimo de uma coragem tal que fez emergir de dentro de mim e para mim as palavras que vinha letra após letra se formando ao ar.

Eu lhe disse o quanto te achava bonita com seu andar moleque, sorrateiro, decidido. Revelei que tua personalidade cativava todos ao seu redor e em especial cativou-me de forma tal que estava entregue meu destino em suas mãos.

Mas você, serena como sempre, fez-me perceber que nós mal nos falávamos, era amigos de cumprimentos e olhares, mais nada. Você dizia que não poderia ser verdade tudo que estava dizendo, nunca um homem poderia se apaixonar por uma mulher apenas vendo-a passar.

Abateu sobre mim tamanha dor que foi desmoronando o céu sobre minha cabeça, o chão se abria vagarosamente e tinha, verdadeiramente, a intenção de puxar-me lá para as profundezas da terra. Tudo ao redor foi ficando sem vida, sem cor, sem som. Eu já estava aceitando aquela cruel verdade, você não sentia nada por mim, nem mesmo a terça parte do que sentia por você. Foi então que o mesmo anjo de antes me acudiu, ergueu-me pela mão. Fortaleceu-me olhando firmemente em meus olhos e, na linguagem dos anjos em que apenas o amor é capaz de traduzir a nós, os mortais, me disse para beijá-la.

Então, aproximei de você vendo que tudo a minha volta voltava ao normal, começava a ouvir ao longe os pássaros cantando novamente, o vento nos beijava as faces, o céu se recompunha com seu azul anil, o sol nos aquecia o corpo enquanto o coração nos aquecia a alma. Tomei-te em meus braços, olhei em teus olhos que, ainda não sabiam, mas queriam os meus cada vez mais próximos. Segurei tuas mãos, trêmulas como as minhas; úmidas e quentes. Toquei seus cabelos que encheram minhas mãos. Minha boca se manteve em silêncio, úmida e desejosa da tua que se aproximava da minha indecisa, um pouco relutante, mas desejosa de mim também.

Nossos lábios se encostaram sutilmente um no outro procurando se conhecerem, se sentirem melhor, e ao passo que se mantinham assim iam se querendo cada vez mais, buscavam um ao outro com mais intensidade à medida que nossos corações se sentiam e aceleravam. Os braços se entrelaçaram se enroscaram, os corpos se uniram e o calor do meu passou para o seu e este para aquele.

Ainda hoje estamos assim, unidos, abraçados, nos beijando e nos querendo. É assim que me lembro de você, é assim que te busco nas entranhas de minha alma – onde está tudo que quero. Foi assim o meu sonhar mais belo!

Agora o despertar sem você na cama fria, no quarto escuro é parte do outro conto, aquele que tratará da realidade, este trata apenas dos sonhos.

By Geraldo Ferraz

Ferraz__
Enviado por Ferraz__ em 10/07/2020
Código do texto: T7002219
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