Desatados... Nós
Acordara em sobressalto, o peito batia acelerado e o suor fresco escorria em minha face, e na mente o ressoar de cada palavra ainda podia ser sentido. Teria aquilo sido um sonho, coisa da minha imaginação delirante? Não sei dizer agora, o que sei é que tais palavras me alimentaram e me libertaram da minha prisão.
Dou uma boa risada dos meus pensamentos e digo a mim mesma tentando me convencer da ideia de tudo aquilo não ter passado de um sonho:
— Loucura da minha cabeça só pode ser isso, exaustão mental, isso já está me fazendo delirar. Quando dou por mim ouço uma voz grave, porém firme a me questionar.
— Loucura? Acha que nossa conversa foi loucura, por acaso queres continuar ou prefere achar que ainda dorme?
Com o susto me silencio por completo e fico apenas a observar enquanto as palavras são pronunciadas por aquela presença que ainda desconheço. — Torne-se quem você é... independente. Deixo-te até me matar se quiser e dividir contigo esse peso.
Então em uma resposta automática digo: — Se eu o matar terei que seguir pelo mesmo caminho e me matar logo em seguida. E com um sorriso em face sou respondida.
— Minha jovem ao me matar morrerá simultaneamente comigo, e tens um jeito que acabará mesmo com a minha vida. Apenas observo paralisada as suas palavras enquanto ele continua a dizer: — Ainda digo mais... te vendo assim sucinta... eu só sinto... sua sintonia. A prosa quem conduz és tu, jovem. Bizarro, acredite ou não, inesperado, e outra coisa somos loucos, mas normal só tem eu e você aqui.
E num impulso de questiona-lo digo: — Contraditório, porém concordo com sua afirmação. E vendo meu interesse pela conversa ele continua.
— Que tal, vamos papear coisas comuns que as pessoas papeiam? E quem estaríamos enganando caso viéssemos a mentir?
Com a surpresa da frase dita rebato de imediato: — Mentir? Não tenho o porquê de fazer isso, concorda? Só acho que me da corda demais e é ai que desato a falar sem parar. E dou um leve sorriso para ele e sou surpreendida logo em seguida.
— Te dou todas as cordas possíveis para a tua causa... (verdade). Espero que seja recíproco? Eu desato, nós!
E como sempre rebato de imediato: — Meus nós já são desatados, te falei a primeira vez, lembra-se?
— Assim como te falei também... sou aquele navio sem rumo e sem dono, e tenho em ti a miragem... flutuo contigo.
— Miragem? Por que não farol, aquele que te guia em meio as tempestades?
Então ele se aproxima da cama como a buscar território e olhando fixamente para mim diz: — Já és luz que me ilumina... eita luar!
Então por busca de respostas questiono. — No céu negro?
Ele rebate serenamente: — Não! No céu desconhecido.
— O desconhecido está ali para ser descoberto, bem vindo ao meu mundo... ao mundo do conhecimento. E com olhar centrado e certo do que busca ele diz:
— Explorareis, não resta dúvida. E na empolgação de mostrar minhas ideias continuo:
— Aqui nada é o que é... tudo muda frequentemente. E novamente um sorriso
— És itinerante? Faz-se fixa em mim, e tu... que és desatada me dá um nó sempre. Então fixa... mais esse eu...
Sem saber explicar o porquê me encolho diante daquelas palavras e com um tom quase que inaudível respondo: — Não é intencional te prender em meus nós. E para minha surpresa escuto ele me dizer.
— Pelo contrario, eu gosto disso. Eu quero mais é erosão. Ao final ele dá sorriso debochado de quem se diverte, e eu a olha-lo a não compreender a situação, mas continuo a dizer:
— Vemos o mundo por olhos diferentes. Agora te contarei algo talvez o surpreenda, talvez não.
Ele com ligeira curiosidade diz: — Diga-me, jovem, surpreenda-me se fores capaz.
— Não sou deste mundo, sou como pássaro aprisionado, sou de um mundo a parte, um mundo louco e poetizado.
E com um olhar de quem já decifrou a charada diz: — És a própria poesia, em sua semente a brotar suas raízes mundo a fora. Jovem, quando nos despedimos ao final de cada conversa sempre fica a obra, na verdade faço dela essência em minha mente.
— Quer dizer obra inacabada, não é?
Então um sorriso desabrocha ao me dizer: — Amo o inacabado. Pense há sempre possibilidades para mais.
Dou uma gargalhada e me jogo na cama e olhando para o teto digo: — Vou para de te enlouquecer com minhas loucuras, isso já não ta mais fazendo sentido algum.
E com um tom sério sou trazida de volta: — O que se despe... despedaça...
— O que? O que isso quer dizer afinal? O questiono sem entender suas palavras
E ainda com um semblante serio ele continua: — Não importa sua mente já absorveu a essência, deixa ficar subentendido. E por favor, não cesse já amo suas loucuras.
— Acabei de crer, já te levei a loucura.
Então ele caminha até a janela e fica a observar a paisagem por alguns instantes e dispara: — Lucidez... gosto da nudez da loucura... a transparência. O menos raso... é mais profundo. Os loucos fazem o mundo e me apaixono cada dia mais por um pedaço teu... desse teu mundo. E a ver minha reação ele se desconecta da janela e olha para mim num leve girar de pescoço e continua a dizer: — Literatura... é ter a tua companhia.
Sem que me dê conta rebato: — Um pedaço do mundo é um infinito meu. Amo o que essa tal literatura faz, onde só falar não basta.
Agora de volta a paisagem ele diz: — Então me permita ser um pontinho nele. Tu me elevas... mesmo sem presença física.
— Você não entende, sou vastidão de ideias e sentimento.
Sinto ele se segurar em suas reações quando ele sai da janela e fica de costas para a parede e me encarando e completa: — Você que não entende. Tu que pesas uma tonelada... mesmo sem presença física.
Levanto-me da cama e vou ao seu encontro e olhando no profundo dos teus olhos digo: — Mesmo sem presença física, sou sentida em cada molécula sua. Sinto-me brotar como uma nascente de rio, inesgotável e que faz corredeiras pelo caminho.
— Que luz é essa? Diz ele com surpresa. Sinto suas mãos tocarem meus ombros e ele a dizer: — Bebo a água do teu corpo fácil... água, ideias... fonte, tu.
— Do meu corpo só tens o calor. Beba da minha mente, que dela crescerás infinitamente.
Gargalhando ele diz: — Me desculpe o termo esdrúxulo, mas você é uma transa sem palavras, minha cara.
Recosto-me na parede e ficando ao seu lado e sem encara-lo divago: — Sou fonte por que minhas raízes vêm do infinito.
E contemplando o vazio ele diz: — Mais além, jovem. Um pouco de exagero não é nada demais
— Não é mesmo. Sei pouco, mas o pouco que sei passo para frente e aprendo com você o que nada sei.
— Minha cara, somos eternos aprendizes. Sim todos exageraram em algum momento da vida e aprendemos com o nada saber.
— Esvaziar-se para se estar cheio, carrego isso comigo.
Pego então ele me olhando surpreso e a dizer: — Socrática você, jovem. É esvaziar-se para preencher-se.
Com um leve sorriso para tirar a tensão do momento eu digo: — Exato! Amo as letras e o que elas são capazes de transportar.
— Tu que as transborda infinitamente.
— Nada disso, esvazio-me para me transbordar de ti.
Uma nova gargalhada vinda dele, daquelas que sacodem todo o corpo e fazem perder o fôlego, alguns instantes para se recompor e ele diz: — Pare de mexer o caldo... por acaso, tu és bruxa?
Com um olhar cético respondo: — Eu? Bruxa? Não, quem me dera.
— Mas é sim, a bruxa da pura magia.
Dou uma risada debochada e digo: — Talvez, por isso que estás enfeitiçado?
— Ah... haa! Emboscada, minha cara, feitiço é bumerangue... esteja certa disso.
O encaro com surpresa e digo: — Tu és bruxo também? E sorrio ao terminar de dizer.
— Não sei me digas você.
— Ah! É sim, e como é. O bruxo das amarras. E gargalhamos gostosamente
Após rirmos daquela situação toda ele diz: — Eita nó... que me tranca em um quarto escuro.
Em uma resposta rápida falo: — Não te tranco, mas te liberto em um só pulo.
— Se parar para pensar isso foi profundo, minha cara.
— Sim bem verdade, pois é profundidade o que busco aqui. Tocar onde ninguém ousou tocar, ir onde você não imagina que eu vá.
— Minha cara, apenas contemple o que tem diante dos teus olhos e viva, aproveite cada segundo, saboreie. Aqui tem um elo, onda cerebral invisível aos desatentos... agora percebes? Feixes luminosos que rumam ao infinito.
— Você sabe que não é só da minha mente que eles veem, não é?
— É creio que sim.
Vou até a janela e contemplo a paisagem branca, pintada com os flocos de neve que caíram com a madrugada e digo: — Não poderia ter dito melhor, e digo mais... tudo se multiplica quando as mentem se combinam, e como disse sou feita de loucuras.
— Diria que és um nó desatado. Ora também sou composto das minhas loucuras, porém mente brilhante essa tua.
— É isso que torna tão perfeito, é só pessoas com profundidade para compreender a dimensão desses nós.
— Isso é essência... quando tu partes tarde da madrugada, te amo mais cedo.
E apenas a observa-lo digo: — Profundidade... o escavar que ninguém mais vê ou que ninguém quer ver.
— Quanto mais extrai... maior fica o teu aprofundar.
Volto para a paisagem e digo: — Por que é mais próximo o nosso encontro, um fato irrefutável.
E apenas a me observar ele finaliza: — Batido o martelo, minha cara.
— Somos bruxos a revirar o caldeirão. Sorrio então.
Ele me sorri de volta e diz: — Que caldo, mas que caldo esse! Seu aroma é delicioso.
Assim sou levada por meus devaneios e falo sem perceber: — Prenda-me a ti como te prendo a mim. Sem encara-lo para não ver a sua expressão, mas sentindo sua movimentação inquieta.
— Oxe!! Desatados, nós! Por acaso estas a flertar comigo?
— Estou a descobrir-te. A descobrir o sabor que vai às papilas, isso é o que me encanta.
E com uma expressão de surpresa apenas escuto: — Oowwh!
— E ainda digo mais, sem nós apenas presos por nossos pensamentos.
— Já estou anestesiado, não sei talvez em coma.
Dirijo-me de volta para cama, me encosto sobre ela ficando de costas a ela e encarando ele e rebato: — O coma é o não pensa, estás enfeitiçado? És livre, mas não queres partir.
E me encarando ele me questiona: — Me diga...
— O que quer que eu te diga?
— Não sei qualquer palavra, apenas diga algo.
— Fascinação... olhos que brilham sem razão.
E se aproximando de mim ficando a menos de um metro de distancia e ainda me encarando fixa ele diz: — De fato... me recuso á partir... vejo a cura em teus olhos. E espero do mundo... é que este espere por nós...
— Por isso estamos em nossos nós desatados, mas presos por eles ao mesmo tempo. Há certo conflito aqui.
— Eu diria que é tempo de somariar.
— Eu não quero nada do mundo, quero apenas fazer para o mundo.
— Que tal fazer para alguém? Assim se faz para a vida inteira, não apenas para o mundo.
— Compartilho esse seu conceito e o aceito.
— Eu, por acaso estou a conversar com uma iguaria? Coisa rara de se ver em dias de hoje.
— Sou rara porque me fizes-te rara. Mas te enganas, sou tão comum quanto a sua mente é capaz de imaginar a simplicidade.
— É o que me faz leve... essa tua nobreza.
— Acho que não haja nada, além disso, e nada mais lindo que isso. Soou despretensioso, mas enxergue além das minhas palavras.
— O teu conhecer me faz galgar mais por esse infinito universo. E sim enxergo além das tuas palavras, certamente.
— Agarre-se em mim e te farei voar alto.
— Estais em meus pensamentos, logo estou contigo. A fonte está com você, minha cara.
— Eu que estou contigo. Então voe águia branca como nunca voasse antes. Repito não é só em mim que habita a fonte.
— Assim espero eu estar em ti.
— Mais que isso... estas na minha alma.
Então em uma expressão de surpresa ele diz: — Arrepiou-me...
Sorrio e completo: — Isso é o tocar profundo, o sentir sem estar presente, lembra-se?
— Entro em transe comigo mesmo... com você no meu interior. Sim, a tal simbiose, que já lhe disse.
— Não! Estas a acordar, e o brotar em seu interior. Sim e eu diria que ela é realmente fascinante.
— Tu bruxa dos nós desatados, é de uma pegada mental incomparável... ficaria eu aqui pela eternidade.
Sorrio e digo: — Sou louca, esqueceu?
E sorrindo também ele diz: — Faz bater meu core... percussionista.
— Te avisei para não me dar corda ou acabaria por se arrepender.
— Sou você neste pequeno espaço... pobre coração.
— Tenha calma, não judiarei dele. Apenas sararei as tuas feridas.
— Queres saber, eu me arrependeria senão viesse aqui e não a confrontasse.
— É tudo tem uma razão para acontecer.
— Dessa certeza, eu não tenho dúvidas. És maravilhoso conversar com você. Ainda que sem razão de ser.
— Faço suas as minhas palavras, mas ainda há de descobrir a razão ainda que cedo ou tarde.
— Sim, ei sim e como ei... preciso ir mestra. Preciso me recolher, digerir o que aprendi aqui hoje.
Sorrio e questiono: — Mestra? Não me compare a isso, iniciei minha jornada agora, ainda não são fortes os meus passos no caminho, mas vá é hora de descansar mesmo. Suguei até o que não podia de você.
— Viajo longe... é gratificante estar com sua presença... como viajo longe. Agraciado e feliz por ter estar aqui, a conversa foi gostosa e inebriante.
— Sim, foi por demais. E ouça, são sinceras as minhas palavras.
— Obrigado, jovem. Por ter me proporcionado estes instantes.
— Sou eu quem agradece bruxo.
Ele sorri e diz: — Como gostaria que não terminassem nunca, esse desfrutar dos teus pensamentos.
Em tom de brincadeira digo: — Que o tempo pare.
A gargalhada dele ecoa pelo quarto e em seguida ele diz: — Que o mundo pare agora, que tudo pare então.
— Mas vá, antes que eu o segure aqui. Como eu gostaria que isso fosse real.
— Não tem saída... me asseguro de ti, és meu ente no coração.
— Sim, acredito em ti.
— Ah! E sem razão para porquês, ok?
— Por quê? Para que mesmo?
— Volto mais tarde, já te gosto mais cedo!
— Sim volte, sempre que puder bruxo das amarras.
Sorrindo ele me diz: — Assim me despeço de ti, mestra. E mais uma vez obrigado.
— Fica o convite para a próxima loucura a ser desfrutada.
— Sim, convite aceito. Vou-me agora.
A despedida é um encontro de testas e ele me dizendo: — Feche os olhos e apenas sintonize.
Fecho meus olhos e digo: — Sintonizado e recebido.
Fico com a sua voz a ecoar: — Beijo no coração e paz na tua alma te cuida.
Assim ele parte e ao abrir os olhos novamente já me encontrará sozinha no quarto, e com um sentimento de saudade e alegria. O sorriso se fazia presente em minha face. Voltei para a cama em embolei entre os cobertores e adormeci novamente, aguardando quem sabe ser acordada com uma nova visita.