Parte 1: O suicídio

Eram 16h47 de uma quinta. Corria tanto que sentia meus pulmões queimando, desesperados por oxigênio. A cabeça girava, o coração parecia querer rasgar o peito. É engraçado como as notícias chegam rápido hoje em dia. Em segundos é possível saber o que acontece em qualquer lugar do mundo. Bastou uma ligação e apenas alguns cliques nos botões do controle da TV pra tudo mudar e ganhar um turbilhão de coisas que eu nunca imaginei sentir antes.

Minha mãe tinha ido buscar a Micaela pra passar o final de semana com a gente. Como estaria trabalhando, não pude acompanhar. Mas eu sabia onde ela iria, sabia que horas iriam chegar em casa, sabia em que ônibus elas estariam, e sabia que o ônibus que mostrava naquela TV era o que elas estariam...

Fiquei tão distraída que nem percebi o atraso delas. Estava tão distraída que não sei dizer agora quem tinha feito a ligação.

Tudo que eu era, tudo que eu tinha passado, tudo que eu queria, naquele instante, não significam mais nada. A única coisa que importava eram minhas pernas conseguirem ter a capacidade que nunca tiveram em 23 anos.

Multidão, luzes, câmeras, vozes e mais vozes. Ali, um homem com seu uniforme e a merda de um alto falante. Desgraçado! Maldito! Vocês não sabem fazer isso! Quantos exemplos disso que estão fazendo agora que deram muito errado. Errado de uma forma que não era pra ser. Porcos estúpidos.

Engraçado como o tempo e o espaço parecem agir diferente dependendo da situação. Por exemplo uma batida de carro, várias pessoas que passaram por isso com quem conversei diziam que pareceu ter acontecido em câmera lenta. Mas sei que o tempo e o espaço continuam o mesmo. A vida continua a mesma. A única coisa que muda somos nós mesmos.

Como passei por aquelas pessoas? Como consegui passar pelos que estavam trabalhando na situação? Como convenci eles a fazer aquilo? Droga! Tudo tão rápido. Por um instante achei que poderia ser o Flash. Mas o verdadeiro desafio estava ali, e nesse momento os minutos voltaram a correr normalmente. Acho que meu cérebro entendeu que eu precisava ter foco e estar consciente do que estava dizendo, então mandou o comando da central pra baixar a bola.

O que era isso agora? Apreensão? Por que todo mundo ficou quieto e parecia estarem prendendo a respiração?

Deus, como odeio essas pessoas.

- Me chamo Helena. Estou aqui porque eu quero! Não porque eles me pediram. Preciso que me escute. Tem duas pessoas aí dentro com você... Eu quero entrar pra estar com elas. Eu preciso entrar! E só você pode me deixar fazer isso. Por favor... Eu...

Nesse instante consegui escutar um chorinho baixo dizendo "Lena" e logo em seguida um "shhh". Senti que iria morrer ali.

- Mica! Tô aqui, tá bom? Eu já vou ver você.

Esperei um tempo. Segundos? Minutos? Não sei dizer, mas já me pareciam muitos.

- Por favor! Não quero que ninguém saia. Eu só quero entrar.

Então a porta se abriu. Um momento de hesitação. A briga estava feia por querer e não querer ir. Medo do que eu iria ver. Medo do que aqueles babacas poderiam fazer. Medo de só ter piorado a situação. Parecia que o mundo estava congelado e só eu conseguia me mexer. Passei pelas portas, os degraus, então olhei pro corredor escuro e ele me olhou de volta.

[Continua]

Papriika
Enviado por Papriika em 05/07/2020
Reeditado em 05/07/2020
Código do texto: T6996403
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