A noite em que faltou luz no bar

Olhei para as bolhas subindo do fundo e estourando na superfície do líquido.

Virei o copo. Antes vazio do que meio cheio.

Me levantei para ir ao banheiro. Não havia fila e dessa vez foi rápido.

Quando saí, quase esbarrei num casal que se esfregava encostados na parede. Pedi licença e voltei para a minha mesa. O copo ainda estava lá.

Peguei outra cerveja no balcão e segui bebendo. Havia pouco a se fazer e o céu desabava do lado de fora. O bar ficou lotado de pessoas fugindo da chuva e Thais se aproximou da minha mesa com outra garota que eu nunca tinha visto.

- Podemos sentar? – Ela perguntou.

- Senta ai. – Respondi, apontando duas cadeiras vazias.

Elas sentaram e ajeitaram as bolsas embaixo da mesa. Traziam consigo copos vazios e eu os enchi com a minha cerveja.

- Obrigada. – Falou a moça que eu não conhecia.

- Esse é Rômulo – Falou Thais. – Ele é Escritor, sabia?

- Sério?

- É. Mas só escreve sobre mulheres e dor de cotovelo.

- É bem por aí – Comentei.

- Meu nome é Eduarda. – Falou a moça, esticando a mão em minha direção.

- Satisfação. – Respondi, apertando a mão dela.

Eduarda sorriu e tomou um gole da cerveja.

- E como são essas mulheres ?

- São iguais as que eu encontro por aí.

- E são muitas?

- São várias – Thais comentou sorrindo antes de se levantar. – Preciso ir ao banheiro... Toma conta dela, tá?

- Ok. – Respondi.

Eduarda tirou dois cigarros de dentro da bolsa e me ofereceu um.

- Não fumo.

- Sério?

- É... nunca gostei de cigarro.

- Estranho... todo mundo aqui fuma.

- As vezes é bom ser a exceção...

Ela sorriu e acendeu o cigarro.

Nesse momento um trovão explodiu no céu quase ao mesmo tempo que um relâmpago iluminou o bar. Em seguida tudo ficou escuro.

As pessoas do bar gritaram assustadas e Eduarda deu uma gargalhada.

Eu só podia ver a ponta do cigarro dela acesa em minha frente.

- Adoro Relâmpagos... adoro tempestades.

- Dá pra ver. - Comentei.

- Sou filha de Iansã com Xangô, meu filho. Estranho seria se eu não gostasse.

Eu não disse nada e tateei a mesa me busca do meu copo e tomei mais um gole.

- Sabe o que eu queria agora? – Ela me perguntou, depois de alguns segundos de silêncio.

- O que?

- Queria correr pelada pela chuva e pular dentro do mar ou numa cachoeira.

- Parece bom.

- Você viria comigo?

Lamentei não haver luz para que eu pudesse ver as feições de seu rosto.

- Nunca corri pelado na chuva. –Respondi enfim.

- Então. Pra tudo tem uma primeira vez. – Falou, e eu quase pude vê-la sorrindo na escuridão.

- É... – Respondi sem saber o que dizer.

- Você é bem sério, hein?

- Na verdade não. Acho que só ando sério ultimamente.

- E por que isso?

- São tantas coisas. Se eu for começar a falar vamos precisar de muito mais do que uma cerveja.

Eduarda apagou o cigarro na parede, pegou o celular e me deu.

- Bota teu número ai.

Anotei o meu número e devolvi o celular a ela.

Eduarda guardou o celular na bolsa e aproximou o rosto do meu.

- Você é um cara assombrado pelo passado e ansioso pelo futuro. Dá pra ver. Devia aprender a deixar isso tudo de lado e viver mais do presente.

Permaneci calado e Eduarda repousou a mão direita na minha nuca e me puxou mais para perto.

Nos beijamos e foi justamente nesse momento que a luz voltou ao bar.

- Você não perde tempo hein? – Thais falou ao lado da nossa mesa. E eu não soube se ela se referia a mim ou a Eduarda.

Eduarda se ajeitou na sua cadeira e esvaziou o copo de cerveja.

- Olha, miga. Precisamos ir embora. Já passa o último ônibus. –Thais continuou.

- Certo. – Eduarda respondeu, se levantando da cadeira.

Me levantei também e abracei as duas.

- Te mando uma mensagem pra marcar a cerveja. – Eduarda comentou, com um sorriso.

- Tudo bem.

- E se estiver chovendo, quem sabe podemos correr na praia. – Continuou.

- Quem sabe...

As duas seguiram para fora do bar, abraçadas e eu voltei a olhar para o meu copo, que estava cheio pela metade.

Enchi de cerveja quase até a boca e contemplei a espuma se desfazendo.

Do lado de fora, a chuva ia dando trégua e eu pensei que talvez, correr um pouco não fosse uma má ideia.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 03/07/2020
Código do texto: T6994967
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