Questão de Tempo

Tudo isso aconteceu numa daquelas noites em que estranhamente boa parte das pessoas havia decidido ficar em casa. Mas sendo sexta feira e fim de semestre eu tinha pouca vontade de passar a noite deitado na minha cama. Resolvi ir no bar de sempre e esperar o tempo passar, mesmo que tivesse que o fazer sozinho. Eu sempre fui um tipo solitário, mas que precisava de agitação de vez em quando. Eu precisava ver pessoas e estar no meio delas para fugir um pouco da solidão e do vazio que eu carregava dentro de mim. E talvez tudo isso seja só uma forma indireta de dizer que eu não era muito feliz comigo mesmo. Enfim. Saí de casa e procurei uma mesa vazia no canto do bar. Os poucos conhecidos que estavam lá, me cumprimentaram e continuaram nas próprias mesas. Exceto por Katarina.

Esta fez questão de me dar um abraço e um beijo no rosto, e depois tomou um gole da cerveja do meu copo. Conversamos um pouco e ela foi andar com pessoas que não eram do meu agrado de estar perto.

Terminei a cerveja e meu telefone tocou.

Era Aline. Atendi.

- Oi.

- O que você está fazendo agora? – Ela me perguntou.

- Estou tomando uma cerveja.

- Não quer vir aqui?

- E o seu marido?

- Ele não chega tão cedo.

- Tem certeza?

- Tenho. Vem logo.

- Não sei Aline...

- Deixa de ser bobo.

- Ok. Vou pedir um Uber.

- Tá. Não demora.

Paguei a cerveja e esperei o Uber chegar.

Júnior estava na frente do bar com sua nova namorada, quase que literalmente pendurada em seu braço. Ela me cumprimentou com um sorriso e saiu para comprar um espetinho.

- Já vai embora cara? – Júnior me perguntou.

- Vou visitar alguém.

- Mulher?

- Exato.

- Eu conheço?

- Não. E eu acho que eu nem devia estar indo lá. Mas enfim. Não tem nada melhor pra se fazer.

- Qual o problema?

- O problema é o marido.

Júnior riu.

- Meu irmão. Você gosta de confusão mesmo não é?

- Não é que eu goste... mas...

- Cuidado então.

- Olha. Se eu não der notícias até meia noite, estou nesse endereço. Vou compartilhar a localização com você pelo celular.

- Vai lá, doidão.

- Se tudo der certo, volto pra cá pra tomar uma e fechar a noite.

- Beleza. – Ele respondeu e saiu para procurar a namorada.

O carro chegou e eu subi.

Logo eu estava na casa de Aline.

Bati no portão e ela abriu para que eu entrasse.

A princípio eu hesitei, mas ela me deu um beijo nos lábios e me puxou para dentro.

- O que você tem? – Ela perguntou.

- Nada. Só estou um pouco cansado.

- Quer uma cerveja?

- Quero.

Ela estava bebendo em uma mesa de plástico no quintal e indicou uma cadeira para mim, antes de entrar para buscar as cervejas.

Voltou com duas latas e um copo para mim.

Aline se sentou e cruzou as pernas. Tinha um ar curioso e animado. Bem o oposto de como eu estava naquela noite.

- O que você anda fazendo da vida?

- Trabalhando. Estudando. Nada fora do usual. E você?

- Ah. Trabalhando bastante. Mas as coisas são diferentes quando se está casada.

- Imagino.

- Estava com saudades de você. – Ela disse, repousando a mão direita na minha coxa.

Tomei um gole da minha cerveja e me aproximei para beijá-la.

Ela abriu os lábios e sua língua escorreu para dentro da minha boca. Aline era ótima. Era quente. Feroz. Intensa. Sempre caótica e confusa. Era bom estar perto dela, mesmo que não tivéssemos muita coisa em comum.

Ela me deu uma leve mordida e sussurrou no meu ouvido.

- Vamos lá pra dentro.

- Não vai dar problemas?

- Temos até meia noite. Então não vamos desperdiçar tempo.

Ela se levantou e correu para dentro da casa. Eu finalizei minha cerveja e fui atrás.

Aline abriu a porta do quarto, tirou a roupa e se jogou na cama. Bem direta ao ponto, como sempre.

Ela se recostou no travesseiro e abriu as pernas.

Deitei por cima dela e afundei minha cabeça entre os seus seios. Ela me empurrou mais para baixo e eu fui, sem qualquer hesitação.

Aline não era a mais silenciosa das mulheres, e eu me pergunto se os vizinhos não se incomodaram com o que se sucedeu.

Ela não pareceu ligar, então me deixei levar e fomos juntos até o fim, com toda a intensidade que nos restava depois dos trinta anos.

Eu já estava dentro dela quando ouvi o barulho do portão lá fora. Tentei me afastar, mas ela cravou as unhas nas minhas costas e me puxou para mais perto.

Quase tinha me esquecido do fato, quando ouvi bem atrás de mim.

- PUTA MERDA, ALINE! PUTA MERDA!

Aline me soltou e sentou-se na cama, mais calma do que eu esperaria nessa situação.

O marido desapareceu atrás da porta, em direção a sala e eu saltei da cama e comecei a me vestir.

Ele retornou com um revólver nas mãos e apontou para mim e depois para ela.

- COMO É QUE VOCÊ FAZ ISSO COMIGO, ALINE?

- Da mesma forma que você fez comigo, oras. – Aline respondeu calmamente, como se ele não estivesse com um revólver apontado para ela.

- Não é a mesma coisa... Não é a mesma coisa... – ele disse quase sussurrando, e voltou a apontar a arma para mim.

Eu não soube o que dizer e apenas ergui os meus braços à altura da minha cabeça e esperei.

Ele apertou o gatilho uma vez, o revólver fez apenas um Click. Apertou mais duas vezes e o resultado foi o mesmo.

Virou a arma de lado e verificou o tambor. Estava vazio.

- Eu joguei as balas fora. – Aline falou olhando para mim.

Ele se deixou cair numa poltrona e começou a chorar, com o revólver nas mãos.

Terminei de me vestir e saí do quarto. Eu sabia exatamente o que ele estava sentindo, afinal, já tinha estado no lugar dele...

A sensação era familiar e eu não me sentia orgulhoso de estar do outro lado dessa vez.

Saí sem dizer nada. Tomei a rua e andei até um posto de gasolina. Comprei uma cerveja e pedi um Uber.

Esvaziei a bebida no caminho e comprei outra assim que cheguei no bar.

Katarina me viu e veio me abraçar, como se tivesse sido a primeira vez que me via na noite. Ela tinha as pupilas dilatadas e o seu hálito denunciava que ela já havia vomitado. Mas continuava bebendo e sorrindo o seu sorriso meio cheio e meio vazio.

- Aconteceu alguma coisa? - Ela perguntou – Você está meio pálido.

- Achei que ia morrer.

- Como assim?

- Outra hora eu te conto. Mas relaxa... eu estou bem.

- Ok então. – Ela respondeu e me deu um beijo no rosto antes de se afastar.

Olhei a hora no celular. Quinze para a meia noite.

Mandei uma mensagem para Júnior.

“Tudo OK comigo. Estou indo pra casa”

Era mentira... Mas tudo bem...

Eu estava sóbrio demais para ir para casa.

Mas naquele ponto, era só uma questão de tempo.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 29/06/2020
Reeditado em 03/11/2020
Código do texto: T6991729
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.