PESADELO

A janela estava fechada, e o quarto, trancado. Ela estava na cama. Só.

O cobertor era um amante que se enroscava em suas pernas feias e mancas. O rosto era de uma criança comum, nem bonita e nem feia, todavia era marcado pelo medo e pelos machucados constantes.
– Não apague a luz, mamãe! – Choramingou a menina.
A mãe sorriu e disse:
– Não tenha medo. Por acaso não fica escuro quando você fecha os olhos? Ou agora tem medo de ficar de olhos fechados?
A criança tentava acreditar no que ela dissera e, então, fechou os olhos.
A mãe saiu e desligou a luz. Por fora, ela trancou a porta, para que a menina, em um de seus constantes ataques de sonambulismo, não se machucasse pela casa.
Agora, sem a mãe, sem a luz, não havia nada que lhe protegesse.
Estava protegida, dizia a mãe. O quarto estava isolado. Estava tudo trancado. A janela de cerejeira, trancada com fechadura de aço e ferro; as portas, trancadas com duas chaves. Não havia nada embaixo da cama. E o guarda-roupa estava hermeticamente fechado, envolto por uma corrente e um grande cadeado.
Não havia nada de preocupante naquele quarto. As paredes brancas estavam vazias, não havia pôsteres, nem enfeites. Só havia a cama, o guarda-roupa fechado e ela.
Para a mãe, ela estava segura.
Para a menina, entretanto, estar segura não era uma realidade. Ela via a última e terrível presença. Havia o Sombra. Era um ser estranho e malvado, com camadas e mais camadas de escuros e macios pelos. Todos os dias, ele se escondia entre os últimos resquícios de negrume, mas apenas enquanto a luz se fizesse presente. Quando a noite chagava, ele, enfim, surgia por completo.
Não havia onde a menina se refugiar e nem mesmo poderia fugir. Tudo estava trancado. Só havia o Sombra, e ela.
– Vamos jogar, estrelinha! – Soou o Sombra, o melhor amigo e o pior inimigo dela.
Em todas as noites era a mesma coisa. Todas as noites, ele tentava lembrar a menina de que a noite pertencia aos seres que não tinham lugar na luz, ou era o que ela achava.
– Não! – Ela ladrou.
Contudo, não havia escolha.
– Venha.
Com a rapidez que suas pernas esqueléticas e raquíticas deixaram, ela desceu da cama e se aproximou do Sombra. Ao contrário do que se acha, era, sim, possível ver algo escuro na noite, porque o Sombra era tão escuro que a própria noite era um Sol a lhe iluminar.
– O que eu sou? – A costumeira charada foi lançada.
– Sombra.
A criatura esbofeteou a cara dela, que acordaria com mais manchas roxas em sua pele. A mãe, preocupada, perguntaria o que acontecera, mas ela, para apaziguá-la, diria que caíra da cama, como sempre fazia.
– De novo... O que eu sou?
Dessa vez, a criança pensou. Mas como todas as noites, ela não sabia a resposta.
– Eu não sei.
Outro tapa.
– Você é o escuro.
Tapa.
– Você... – Ela parou e olhou aquilo que parecia um mostro com asas e chifres. Aquilo que parecia o pesadelo de qualquer pessoa. O diabo de todas as religiões. O terror de todas as crianças. O ser que ninguém queria observar. – ...É o que todos querem esquecer.
Pelo menos por aquela noite, a criatura a deixou dormir sem pesadelos.
Porém, ele voltou noite após noite, como a Lua que não abandona a Terra.
E um dia Sombra decidiu agir de forma inesperada, aproximando-se do rosto da menina, até que ela pode ver os terríveis olhos da cor de um impossível Sol noturno.
 – Você quer me esquecer.
A menina acenou com a cabeça, incapaz de saber o que dizer.
–Se você me der o que eu sempre quis, eu lhe deixarei em paz.
A garotinha vibrou intimamente, a esperança de esquecê-lo crescendo dentro de si.
– O que você quer?
Sombra sorriu, sendo que criaturas maléficas não sentem alegria, apenas prazer.
– Quero sua inocência.
Embora a menininha não soubessem, ela já fizera isso há muito tempo, mas enfim admitia isso a si mesma.
Danieli Mützenberg – 20 anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 26/06/2020
Código do texto: T6988574
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