216 - A Avó Velha
Levou a bisavó para a cadeira de balouço. Fazia mínimos os passos para que ela fosse devagar. Depois de sentada aconchegou-se ao xaile de lã, tirou o Novo Testamento do bolso do avental, o rosário e não achou a caixinha do rapé. -Vai por ela, Dinis, e vê-me um lenço. Gosto de ter um para os espirros. A seguir falava-lhe de um mundo tão diferente que muitas vezes a interrompia para, em pasmo, escutar coisas de 1900, começo do século, maneira de pensar. Andava eu na Primária quando Mark Plack formulou a Teoria Quântica de que te ouço falar muito. Diziam que Freud interpretava os sonhos mas nunca quis os meus interpretados. Iria tudo de escantilhão, riu-se escondendo a boca numa ponta da malha. – E que mais, Avó, de que mais te lembras desse tempo? De muita coisa, respondeu. Havia gente hoje ilustre que se criticava por tudo e nada. Eça de Queirós, um pedante que morreria por aquela altura, António Nobre, um depressivo que morreu cedo também, Oscar Wilde dizia coisas em Inglaterra que davam graça às pessoas daqui. Era outro jeito de viver. Ao serão recordo que todos queriam andar de zepelim e eu só de bicicleta. Ai como era bom! Experimentava, caia, raspava os joelhos e desfazia a trança. Sabes que mais? Cansei-me de falar tanto. Quando me puxas para o passado tenho tendência a ficar por lá, no reino do que agora não conta.