214 - Solidão
Quando começou a olhar mais para o que havia acontecido pensou que era próprio de quem, ainda pujante de vida, tinha agora mais tempo. Encolheu os ombros, arrumou a lata das linhas e jogou as peúgas rotas no lixo. – Estava sem paciência para cerzir e, depois que ele foi embora, nenhum sentido faria tratar-lhe da roupa. Por certo não voltaria e se voltasse haveria de expulsá-lo com frieza, voz gelada, distante, corpo completamente fechado para abraços ou beijos, para o riso das palmadas com que lhe saudava a rigidez das nádegas. Haveria de não querer ouvi-lo, talvez o empurrasse pela escada. E via-se a olhá-lo, os olhos a encherem-se de lágrimas, a boca murcha a tremer, o negro do rímel a abrir sulcos na pele flácida, o rouco som que não pertencia a palavras, o gemido, aquela dor absurda que a tomava inteira, estranha forma de ficar a seu lado numa decisão que ainda não se punha. – Não, para que quero eu um homem como tu que saiu por estar cansado de mim? Quando acalmou, despiu-se e tomou o segundo duche do dia. Verificou as raízes brancas do cabelo, os dentes frouxos, a pele sem brilho e voltou a encolher os ombros. – Que fique onde está enquanto puder. O que tinha guardado para ele, morreu.