Havia um cheiro enjoativo de produtos de limpeza e odorização no recinto. Literalmente eu arfava, o ar por estar muito aquecido, mal penetrava pelas narinas para chegar aos pulmões. Consegui levantar-me da cama e, fugir aos contornos das cobertas, já em perfeito desalinho. Sai do recinto, abri a porta desesperada para escapar do pseudoaroma do campo. Na sala ao lado, o rumor de vozes era amortecido pela espessura da porta fechada. Então, fugindo do cheiro pestilento, adentrei a uma algaravia que fazia minha cabeça oscilar entre os tons graves e agudos dos presentes. Atravessei toda a sala, prostei-me na varanda. Lá avistei um pássaro meio azulado, meio cinza. E, espiritualmente nos cumprimentamos em silêncio. Consegui algum alívio. Olhei para os pés, e só portava meias brancas que em breve estariam sujas. Alguém que vinha na direção de minhas costas, perguntava se eu estava bem. Aturdida, sacudi a cabeça como um atômato. Naquele momento, eu triturava as palavras e os sentimentos ainda confusos pela situação. Pedi que me dessem algo para calçar, um chinelo, um tênis, pois, queria caminhar um pouco. E, recobrar alguma memória. Afinal, havia desmaiado subitamente. Trouxeram-me uma botina, afinal, no dia anterior o temporal deixou um lamaçal de presente... Aceitei e calcei... coloquei as calças dentro de cada botina.E, fui fazer dois trajetos: um mental e outro real... Cheguei até perto do rio, que na minha infância era lindo e, hoje, já exibe rastros de degradação. Em cima do rio, uma velha ponte de ráfia trançada e madeira. Era exatamente a ponte que me catapultava da infância diretamente para a idade adulta. Queria atravessar novamente a ponte, mas a tontura anunciou que seria perigoso. Sentei-me, frustrada, numa pedra angulosa à beira do rio. E, fiquei ali a suspirar pela iminência da memória e a contundência do presente.  Ainda estava enfraquecida. O corpo dolorido indicou-me alguns hematomas, deve ter sido na hora do desmaio. O desmaio é algo curioso, pois parece que mergulhamos em nós mesmos. Tudo fica escuro e manso, como se tivéssemos em noite de sono, sem semântica ou símbolos. Diante da ponte, jazia ali minhas projeções e a ansiedade que se comunicavam em dialeto casual. A ponte sempre oferece uma travessia, o desafio a capacidade e, as incertezas que estavam justamente em cada nó da ráfia trançada na simbiose com a madeira envelhecida. Diante da ponte, nos deparamos que somos obrigados a escolher os caminhos. A eleger atalhos e, principalmente, empreender um ritmo à caminhada. Todo cuidado é pouco. Ademais, nem sei nadar. A ponte me sussurava que precisava de calma e atenção para conseguir um simples sonho. 
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 18/06/2020
Código do texto: T6980533
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.