Acordou assustado com o despertador: 6:45 min. Dormir no sofá da sala não é tarefa agradável depois dos 40. Já fazia um meses que andavam em pé de guerra: Ela, que deixou a profissão para cuidar dos filhos, frustrada pela falta de dinheiro para financiar o que o marido taxava como supérfluo: botox, drenagem, limpeza de pele, cabelo pintado; Ele, responsável pela manutenção da casa (e só), como se, com o acordo, a função “paternal” fosse exclusividade dela. E lá estava: lavando, passando, cozinhando, ensinando lições, levando ao psicólogo, ao médico, ao dentista, ao parque, ao clube, e nas horas vagas, no papel de mãe e de bruxa, e vice-versa. Atrasado,  dor nas costas, então resolveu tomar um dorflex, para não fazer feio na pelada familiar do mês. Ao virar a chave na porta, um grito: - Vê se ao menos leva o lixo! Era Clíssia, já frenética. Pedro voltou resmungando, pegou o lixo, bateu com força a porta e saiu. No sítio com uniforme do último jogo, sujo, virou piada: - Clissinha não anda lavando roupa? Disse Marco, dando-lhe um tapa nas costas. O pai olhou-o como quem soubesse o que sentia e abraçando-o disse: - Nem tudo são flores! Começou a pelada. Depois de algum tempo, fim da correria. À mesa, a gelada esperava e a churrasqueira aquecia. Futebol, trabalho e mulheres era a pauta. Os solteiros contavam vantagens das gandaias. Pedro em silêncio. Marco reclamava de liberdade, Mateus dizia que não podia demorar. Então Pedro pergunta ao pai? - Qual o segredo de ficar casado mais de 50 anos? O pai, responde: - O pote de geleia! Todos riram e Marco soltou: - Vou logo comprar a caixa! Mas Pedro insistiu: Por que, pai? - Toda vez que sua mãe e eu brigávamos, depois que ela dormia, ia até a cozinha e apertava a tampa do vidro de geleia. Como ela nunca comia sem, ia me pedir pra abrir e eu trocava por um beijo. - Mas não é injusto, pai? Mesmo que a culpa não fosse dela sempre ficava atrás! -Tentei de outros modos, pedindo desculpas, por exemplo, mas vinha ela com a caixinha da lembrança de 30 anos, abarrotada de fichinhas: da raiva que passou em junho de 80, do choro em abril de 84 e assim, ia juntando munição pra explodir. Então mudei! No casamento, meu filho, por vezes, é preciso mudar o alvo! É um jogo difícil! Cada um escolhe como atravessa a ponte. Uso o pote de geleia doce, mas há quem prefira a pimenta que arde até os olhos. 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 09/06/2020
Reeditado em 10/06/2020
Código do texto: T6972407
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