Lembrancinha
José é um homem que nunca tinha se aventurado a sair de seu estado. E não por falta de audácia: é porque as coisas na vida dele foram acontecendo dentro daquele estado, mais especificamente, dentro daquela cidade, sem que houvesse a necessidade de sair.
Estudou no maior colégio público do lugar e, logo em seguida, quando decidiu que iria ser engenheiro, para estudar em uma boa universidade fora dali, teve a necessidade de ganhar dinheiro. A mãe não tinha. O pai era morto. O José gostava de fazer lanche, tanto para sua mãe, quanto para seus dois irmãos menores. O José decidiu que iria ganhar dinheiro fazendo lanches.
X-salada, x-bacon, x-coração, x-galinha... o "José Lanches" fervia nas noites movimentadas daquele lugar. José, por ter começado seu negócio cedo, abriu filiais: mais de quatro lanchonetes espalhadas pela cidade. O José construiu seu pequeno império a partir de muitas horas a fio na frente da fritadeira, carregando na superfície de sua pele um cheiro que era uma mistura de óleo, cebola e carne crua.
"Vamos viajar pai!". Pediam frequentemente seus dois filhos. Não que o José fosse um pai insensível, mas sempre ao responder para os dois "outro dia a gente vai", o José ia adiando esta possibilidade, tanto para ele, quanto para sua família.
A verdade é que, além da não necessidade de sair do lugar, não havia em José o desejo de viajar. A aventura estava justamente em fazer mais um x-cebola dentro do menor tempo possível a fim de agradar o cliente e, cada cliente atendido ao longo desses anos, era uma viajem absolutamente interessante.
No fundo da primeira lanchonete que abriu, o José tem uma espécie de escritório. Nele, há uma mesa com um computador velho e uma série de lembrancinhas que ganhou de muitos clientes que ficaram absolutamente encantados com o suculento sabor de um "x-qualquer coisa" temperado com muita maionese e ketchup que o José fazia.
Muitas lembrancinhas de muitos lugares diferentes do país e do mundo que o José teve a oportunidade de ganhar. Lugares diferentes que não visitará porque alguma coisa além dos negócios, que não sabe explicar (e não faz questão de procurar entender) o prende ali.
São José, 09 de junho de 2020
Cleber Caetano Maranhão