A receita
A receita
Alexandre Santos (*)
O tempo passava e Olímpio - ao invés de adquirir o mau humor tão comum em alguns (talvez a maioria) dos velhos encurvados e engelhados que pulavam de fila em fila no supermercado, no médico, no ponto de ônibus, na agência do INSS ou no banco, sempre a resmungar e reclamar de tudo e por tudo, como se, no universo, não houvesse qualquer faceta boa - [Olímpio] não mudava. Pelo contrário. Mantendo o bom humor e, dentro do possível, [mantendo] a lucidez ou a santa loucura dos homens santos, Olímpio parecia, até, rejuvenescer a cada dia.
- Bom dia, minha flor! - Bom dia, meu rei! - Olímpio sempre completava a saudação, não importava a quem, com um toque de alegria e de afeto, reservando a todos um quinhão de carinho, de conforto e amizade.
Embora a maioria respondesse aos cumprimentos efusivos de Olímpio, muitos o faziam de forma automática, protocolar, sem sinceridade, por mero costume. Na realidade, no íntimo, grande parte das pessoas duvidava que os dias pudessem ser tão bons e belos como Olímpio parecia querer que elas acreditassem. Aliás, muitas delas (talvez a maioria) eram imbuídas por um sentimento negativo e acreditavam, justamente, no inverso. Eram partidárias da chamada Lei de Murph ('se algo puder dar errado, então, seguramente, dará'). Pudera! Com frequência, sufocando outras vozes, o demônio residente em cada um se sobressaía e, interessado em disseminar malquerenças (provavelmente, como forma de atanazar as pessoas e, assim, quem sabe, instalar um pedaço do inferno aqui na Terra), além de apologia ao desamor, [o demônio] alardeava o pessimismo e desconfianças sobre o futuro. Como consequência, além de dúvidas sobre o tirocínio de Olímpio (que parecia jamais ver a possibilidade do desastre), emergiam questionamentos em relação aos seus propósitos [dele, de Olímpio] e à forma exageradamente cortês como [ele] proclamava perspectivas otimistas. E, assim, silenciosamente, mesmo sorrindo ou resmungando respostas às saudações, muitas pessoas, especialmente as mais mal humoradas, medindo-o [medindo Olímpio] segundo a régua que lhes media, procuravam desqualificar o jeito de ser de Olímpio e comentavam consigo mesmas e, às vezes, com parceiros igualmente ranzinzas: "Não sei o quê Olímpio vê de tão bom neste mundo"; "Esta alma quer reza"; "Este tipo não me engana"; "Com esta diplomacia toda, vai ver, ele quer ser candidato a alguma coisa".
Poucos sabiam, mas, ao contrário de preocupações imediatas menores, conforme imaginavam os mal-humorados e mal-amados de todos os tipos, as razões [de Olímpio] remontavam a épocas milenares. De fato, ele descendia de uma antiga estirpe de gente feliz. Destas que, desde sempre, aprenderam a conviver com a vida da forma como ela é - com suas alegrias e tristezas, riquezas e pobrezas, doenças, ruídos, silêncios, mentiras, verdades, bondades e maldades -, repelindo expectativas inexequíveis, mas reservando um lugar especial para os sonhos. Olímpio carregava o sangue de uma gente que, independentemente das dificuldades e tropeços, especialmente nas quadras difíceis, consegue enxergar pontos positivos nos panoramas mais negativos e transbordam felicidade com disposição de, se tiver a chance, transmitir e contaminar o ambiente com seu jeito de ser.
Com esta índole animando o viver, aparentemente imune ao pessimismo, Olímpio atravessava a vida ao largo do quero-mais e quero-tudo tão prejudiciais ao corpo e ao espírito das pessoas, recomendando valores pouco conhecidos e praticados como a comunhão, a dádiva e a gratuidade. Aliás, apesar do desapego às coisas materiais e da despreocupação com a busca da fortuna, por encanto ou milagre de Deus, jamais faltavam recursos para Olímpio manter padrão de vida similar àquele conquistado por outrem ao troco de muito estresse e outras doenças da agitação, em fenômeno que desqualificava o comportamento ansioso como paradigma e caminho para a riqueza e [que] desmoralizava o argumento daqueles que encaravam o modo desprendido de viver como recusa ao conforto. Na realidade, parecendo viver em constante mar de rosas, Olímpio nunca parecia infeliz. Ele não escondia que, embora sempre empenhado em sonhos e projetos, jamais antecipava angústias. De fato, sem desdenhar a previdência e o planejamento e com permanentes relances do futuro, Olímpio só se deixava afetar por necessidades efetivas. "Por que se amargurar com coisas desnecessárias", justificava ele.
E, assim, fazendo Escola, sem nunca deixar de ser aquilo que a genética mandava, ao ser questionado sobre a receita da felicidade, sem titubear Olímpio apontava o amor como o ingrediente básico do Universo.
- Amem e sejam amados - ensinava Olímpio.
- Amém.
(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural