CUIDADO! FRÁGIL... E EM PEDAÇOS.
Alguém frágil. Sua compleição física pode até ser considerada como atlética. Ou, pelo menos, normal. De acordo com a média, segundo é comum dizer-se. Não obstante, um ser frágil. Bem frágil.
Parece caminhar como outrem qualquer. Passo de aparência firme, rumo ao destino desejado. Pura ilusão! Não tem destino e, se tivesse, certamente não saberia qual. Caminha a esmo. Esquiva-se dos demais transeuntes. O olhar, se cruzasse com o de outra pessoa (o que tal personagem evitava amiúde fazer, convém que se precise), revelaria o temor que carrega consigo.
Não se recusa a ouvir pedido de informação ou do que quer que seja. A maldade, se existe, não chegou a esse ponto extremo. Trata de abreviar a conversa, porém. Na incerteza se responde ao interlocutor a contento, busca logo retomar seu trajeto interrompido. O simples caminhar pode, ao menos, ser retomado. Outras interrupções perpetuam-se sem que nada consiga fazer a respeito. Raciocínio, planos, sensações de prazer, sua vida em geral, tudo se interrompe com irritável constância.
Ciente disso, sua noção de fragilidade cresce tal qual massa no forno. Sente calor como se cozinhasse. Pergunta-se o que faz ali. Recrimina-se por haver saído de casa e mais ainda, antecipadamente, pela inevitável necessidade de lá retornar afinal.
Continua a inútil caminhada. Não sabe a loja em que encontrará o que procura, nem mesmo tem certeza do artigo de que carece.
Carece de carícias. Talvez. Nas raras vezes em que as recebe, no entanto, causam-lhe asco. A satisfação permanece distante. Desconfia das amizades, tem sempre um pé atrás, para evitar o bote traiçoeiro. O amor, então, nem falar. Errático, fugidio, escorregadio feito gelo ou sebo, o que for pior…
Transtorna-se em seus passos. De repente, parece-lhe que a gente à sua volta tira partido da já flagrante fragilidade daquele ser vulnerável, sob medida para saciar o sadismo humano. Reparam em suas roupas com desdém. Caçoam dos cabelos desalinhados. Menosprezam sua vulgaridade. Identificam e fulminam sua incapacidade de sobressair no meio da multidão.
Qual pobre alma errante, prossegue pela rua escaldante, amaldiçoando o sol, o calor, a poeira, os buracos e as pedras em seu caminho. Sem espírito de poesia. Sem o mínimo desejo de prosa. Trata de reconfortar-se com tudo que leu e aprendeu sobre a triste mediocridade das pessoas. Gostaria de sentir-se diferente. De saber-se em um nível acima da massa ignara. Por que tem de ser frágil? Nessa e em todas as horas.
Repugna a idéia de fracasso. Seu trabalho, conquanto não se afigure essencial para a maioria dos mortais, é digno, é honesto, é… quase gratificante. A quem deseja enganar? Tampouco encontra maior satisfação no que produz. Trabalha por pura necessidade.
O calor aumenta passo a passo com o desalento. O ser frágil troca as pernas, tropeça, sente-se esmorecer. Sem pai, sem mãe. Nem irmãos de que se lembre. A memória falha, a mente prega peças, como se já não bastassem os equívocos da vida.
Sem encontrar o que procura hoje (ontem e sempre, para não faltar o espírito construtivo da crítica), a fragilidade ambulante perambula de volta ao lar, azedo lar.
O sol já se põe. Graças a Deus, assim diria caso praticante do catolicismo. Chega a noite, acompanhada da derradeira esperança de um sono repousante, capaz de revigorar corpo e alma fragilizados. Cuidado! Nada de ilusões! Tem sido comum o barulho dos apartamentos vizinhos transformar os passageiros sonhos em pesadelos ou em insônia.
Não estranhem. Pode ocorrer com qualquer um(a).