A triste morte do pequeno demônio
A triste morte do pequeno demônio
Alexandre Santos(*)
Passara os últimos 60 anos torcendo para que a Morte, em sua grandeza, o levasse, livrando-o dos milhares de fantasmas – vultos de vísceras à mostra, rostos queimados e vidas destruídas – que, desde a explosão da cidade oriental, atormentavam-no com os gritos e choros da dor sem fim. Neste interregno, contrariando súplicas e prantos, sem chance de vislumbrar quaisquer dos reinos celestiais, nem mesmo os das profundezas infernais, seu espírito permaneceu aprisionado naquele corpo pecador, padecendo as marcas do tempo e as dores da história. A cada dia que viveu exilado em seu próprio interior, atormentado pelas trevas que lhe antecipavam as penitências que sabia merecer, odiou o capelão que, a mando do próprio Demônio, lhe garantira absolvição negando a existência de pobres inocentes. “Onde está a misericórdia Divina, que a tudo perdoa?”, se perguntava a cada soluço, a cada pesadelo, a cada espasmo. Na eterna depressão em que viveu mergulhado, concluiu que, além de indigna para a mesa do Senhor, de tão suja, sua alma sequer merecia a sarjeta dos demônios. Um dia, no entanto, para sua alegria, a Morte chegou. Sem maiores explicações, o arrebatou do leito imundo e o jogou na eternidade. Saído da escuridão, viu o céu em chamas em meio a uma nuvem púrpura que explodira em forma de cogumelo. Tinha começado o seu inferno.
Miniconto inspirado na morte, aos 92 anos, em 1º de novembro de 2007, do general norte-americano Paul Tibbets, que, em 06 de agosto de 1945, no posto de coronel, lançou a bomba atômica sobre Hiroshima, matando 80.000 pessoas imediatamente.
(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural