A APOSTA
 

Certa vez, quando ainda o peso do tempo não havia me alcançado, eu fiz uma aposta.
Foi algo perigoso e incerto, mas jovem, quando é jovem, não se importa com isso.
A aposta foi simples, o jovem Camundongo, apelido ruim e feio, dizia que conseguia pescar qualquer tipo de peixe. Eu disse que ele não pescaria a serpente de fogo que vivia num açude grande e escuro. Camundongo disse que era besteira, que ali não vivia monstro algum. No fim, a aposta consistia em ter, ou não, um mostro ali.
Então fomos até o tal açude, perto da alvorada, antes que nossos pais, fazendeiros vizinhos um do outro, acordassem e percebessem que havíamos saído.
Quando chegamos ao enorme açude, que desaguava, alguns diziam, no mar, história que eu nunca acreditei, pois como aquelas linhas finíssimas de água que saiam iriam para tão longe? Bem, voltando ao assunto:
– Andorinha! – Disse Camundongo, me chamando pelo meu adorável apelido – O que fazemos para trazer essa serpente à tona?
Eu, já um sábio dos hábitos de animais mitológicos na época, sabia exatamente o que fazer:
– Iremos oferecer alimento a ela, é claro!
Precavido como era, tinha trazido, num bolso da calça, um peixe meio cozido do dia anterior.
Camundongo pôs-se a rir.
– Há de me dizer agora que a serpente irá aparecer por um mísero meio peixe cozido?
– Mas é claro! –Indignado, eu caminhei até a beira, tentando enxergar algo com a ajuda da pouca luz que começava a aparecer no céu.
– Andorinha, não chegue tão perto assim! – Ele, apressado, aproximou-se de mim e retirou o peixe da minha mão, jogando-o no açude.
Bravo, olhei feio para ele e, em seguida, depois para o açude.
– Como iremos ver o bicho agora?
– Ah, não tem bicho algum!
Camundongo já se ia embora quando o agarrei pelo braço.
– Apostamos, e eu quero terminar a aposta!
– O que quer fazer, então?
Olhei para o açude, não achava possível que uma serpente gigante ali se escondesse. Era pequeno demais para uma serpente gigante e em chamas morar.
Olhei para Camundongo e, num lapso, o atirei no açude. Ele sabia nadar, bem sabia eu.
O Sol, agora na faixa do horizonte, serviu de palco para o que se deu a seguir.
Camundongo, frustrado, subiu a superfície e pôs-se a nadar.
Mas, então, algo aconteceu. Sua face entornou medo, e seu corpo desceu para a água.
Observei, estipulando que se tratava de uma brincadeira, mas quando ele subiu à tona, com os braços que se debatiam desesperados, pude ver que algo de ruim estava acontecendo.

– Camundongo, o que há?
Ele não respondeu. Por um momento, pensei em pular no açude; contudo, ele logo submergiu e eu não sabia onde o achar em meio a tanta água.
O Sol, naquele momento, refletia-se nas águas, criando estranhas ondas vermelhas, como se fossem chamas ardentes.
Camundongo não emergiu, mas pude ver ondas, como se algo se mexesse lá embaixo.
Eu observei a tudo pasmado, paralisado.
Quando algo emergiu do açude, não foi Camundongo.
Quando algo emergiu do açude, voei como uma boa andorinha.
Camundongo não estava mais ali. E eu era apenas mais uma andorinha numa aurora de outono.
Eu já fui jovem.
Já fui tolo.
Agora sou velho, com uma aposta nunca concluída.
 
Danieli Mützenberg – 20 anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 21/05/2020
Reeditado em 21/05/2020
Código do texto: T6954200
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