ESCREVER O QUE?
Escrever o que?
Ouço o som da campanhia lá fora e,com o meu
silêncio,espero que parem de tocar.
Preciso escrever. O que?
Todo começo é um erro tomando o branco da
página. E volto à estaca zero. A campainha já
não toca e agora isso não tem nenhuma impor-
tância. O conto pode esperar. O romance pode
esperar. O diário,marcado pelos vários dias em
branco,como se não tivesse acontecido nada na
minha vida,pode esperar. Vou até à janela e con-
templo o azul do céu,de nuvens dissipadas que
me fazem apalpar a memória na busca de alguma
idéia. Penso tantas coisas e só encontro o deserto
e um silêncio sepulcral. Com um leve sorriso,ima-
gino que todas as idéias para um conto já foram
usadas e a mim,só me resta o plágio.
A campainha toca mais uma vez e me apresso a
a abrir a porta e dou de cara com uma desconhe-
cida.
De onde teria vindo? Olho a moça e não lhe per-
gunto nada. Ela também não me diz nada e faz do
seu silêncio uma espécie de resposta.
Ela entra e se senta no sofá e eu de pé tentando
disfarçar meu espanto,enquanto ela passa a língua
pelos lábios.
Preciso encher o vazio das palavras e tentar enten-
der o que está acontecendo.
- Quem é você? - eu pergunto. Ela não responde.
Apenas me olha e me pede um copo d'água. Bebe
devagar,depois se levanta,se dirige à porta e diz.
- Você não tem a mínima chance se deixar que
as contradições atrapalhem sua vida. Adeus.
Nem me lembro se também disse adeus. De re-
pente era a tontura e a solidão como colchetes a-
colhendo os instantes. Da janela vejo o azul do
céu outra vez,espio a rua,as pessoas e dentro de
mim a perplexidade se faz presente mais uma
vez.
Escrever o que?Um romance? Um conto?Uma
crônica?Um poema?Um bilhete de suicida?
Volto à mesa e me sento diante do computador.
Escrever o que? Palavras formuladas que tentam
entender a ruína do mundo.
Mais um recomeço.
"Temos pressa, não podemos perder tempo e...."
Ouço a campainha tocar insistentemente. Me
levanto e vou atender pensando:"tentei".