O sonho das águas
Estava meio absorto, tudo o que vinha até mim era uma sensação de irrealidade, os sons berravam distantes, o quarto estava escuro, o mundo girava, fugindo, não conseguia compreender bem o por quê. Meus movimentos eram lentos e vagarosos e por mais que procurasse mexer meus músculos eu ainda estava ali estático. O toque dos lençóis em minha pele era leve, confortável e macio e cada vez mais sentia-me preso, como se o cobertor, acometido de consciência própria, tivesse interesse em levar meu corpo para um além desconhecido.
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Relaxado, como se boiando em águas mornas e tranquilas, Assis já podia ouvir o barulho das ondas do mar que encobria, envolvia e entorpecia-o. Estava mergulhando ou afogando talvez. Era perceptível que aquele ambiente não tinha mais traços do terrível cômodo onde adormecera, a viagem que fizera não fora agradável e acabara por deixá-lo um pouco confuso e o pavor que precedera esta ficou em outra dimensão.
Os pulmões já clamavam por oxigênio, precisava emergir, e por isso recordou das primeiras aulas de natação que nunca frequentou e ainda assim conseguiu erguer-se até a superfície e observar que não reconhecia o paraíso ao qual fora transportado. E de repente tudo era o mar, o vento tocava o seu rosto com a mesma intensidade que um antigo amor de infância trouxe a sua primeira desilusão, depois de alguns minutos contemplando e observando decidiu que precisava tomar uma atitude e mover-se em algum sentido.
O ritmo marítimo modifica-se, Francisco sente a princípio uma forte pressão em seu peito, esforçava-se para conseguir respirar, os membros inferiores são solicitados e de repente um forte pulsar, uma parede cobre quase que completamente a visão daquele paraíso e o possível resultado dessa manifestação da natureza parecia não agradar o olhar daquele homem que por muitas vezes privou-se de vislumbrar semelhantes imagens quando fora oportuno mas que estava disposto a pagar um preço desconhecido para continuar a viver em um mundo que acabara de conhecer.
Encarar pela primeira vez o movimento de uma onda que chegou para demonstrar a força dos elementos naturais amedronta, era difícil mensurar até que altura as águas elevaram-se para receber o novo visitante. E Assis apenas questionou o que seria sua vida no momento a seguir.
No quarto do hospital onde Francisco fora internado com sintomas de febre alta, uma dama negra vestida de águas questiona:
"Uma vez que recebeste a visita da senhora das águas, em troca do teu sofrimento opta por receber a bênção das transformações ou das curas?"