Rua Dos Espelhos
A chuva para, o vento frio e cortante resseca seus lábios, batom manchado, a língua passa e uma leve mordida deixa uma gota de sangue, ela aprecia.
O casaco de coro de interior felpudo abraça sua pele. Protegida em baixo de um toldo ela estende sua mão direita, macia com unhas delicadamente desenhadas, as últimas gotas de chuva caem em seu pulso deslizando sobre uma cicatriz, arrepio.
Já posso ir pensa, o vazio da rua à deixa insegura, nada tem a perder, não sentiriam sua falta se algo acontecesse. Olha para trás, o bar vazio, pensa em tomar mais um trago, o último, amarga é a culpa que sobe em forma de hálito. Olha para o chão, vê seu rosto refletido na água, maquiagem borrada e um olho roxo que esconde com uma mecha de seu cabelo negro e liso. O sapato mergulha, o reflexo de seu rosto se desfaz, sua alma vai junto. Não pode olhar em frente, sua culpa a impede, a cada passo um fragmento do que ela costumava ser se desfaz, ela se abandona, uma lagrima cai, está presa entre um horizonte impossível e um presente refletido em aguas sujas.