Como nasce uma professora?!
Nasce em uma universidade.
Nasce em um curso de magistério, talvez.
Talvez em frente a um fogão. Velho e saudoso fogão de lenha, aqueceu os sonhos que trazia a menina, ouviu seus choros e suas primeiras lições, no calor da cozinha e do colo de sua mãe. Para distrair, compensar quem sabe, a ausência do pai naquele maldito 64. Na ânsia desesperada de preencher o imenso vazio, a mãe lia, relia e soletrava letra por letra do logotipo: Primor, no 'copo-lata' de azeite, que aquecia o leite sobre o fogão. Assim também fazia com as cartas que o pai enviava da prisão (escritas com lápis de carpinteiro sobre papel de embrulho), tem certas coisas que a lembrança insiste em não apagar. Ironicamente ou não, a mãe semi-analfabeta, alfabetizou a pequena e, bem mais que o be-a-bá o valor da educação ensinou à menina .
1965... manhã de março inda verão, quase outono. Diga-se, no calendário um dia comum, exceto para a menina... Neste dia, reunindo todas as forças possíveis a uma criança de sete anos, cortou mais um fio do cordão para adentrar um mundo novo, universo totalmente adverso ao seu. Coraçãozinho palpitando, deixa o aconchego da vila, quase favela e, a rua de terra vermelha, tinge os pés a menina. Passos incertos e sorriso disfarçado, denunciam o medo e a ansiedade, mesclados de curiosidade e expectativas. Um caldo quente de emoções, acompanha a pequena junto à simplicidade do brochura, do lápis preto e da borracha.
Muitas emoções ainda estariam por acontecer, diante destas, feito grandes bolas de gude arregalam-se os olhinhos verdes. O mesmo verde cobre o vasto gramado da escola pública. É muito grande, o alvoroço das crianças também. Correm, gritam, assusta-se a menina. Primeira lista de chamada, primeiro dia de aula, primeira professora D. Lídia, senhora distinta, de estatura alta, muito simpática. Por sorte, acolhedora! Assim, seus gestos de carinho compensariam a falta do colo e a decepção da menina. Professora, experiente alfabetizadora, logo deu início à primeira lição: bolinhas, tracinhos, linhas onduladas, retas, ou em ziguezague. Preencher linhas e linhas encheu de frustração os sonhos da menina! Ignorava a competente professora, já alfabetizada a menina!
Na volta, em sua cabecinha uma canção das brincadeiras infantis, a acompanhava pelo caminho: “tão alegre que fui e tão triste voltarei...” Em casa, no entanto, aguarda ansiosa a mãe-professora-alfabetizadora, ávida por saber sobre o primeiro dia de aula. E que primeiro dia! Nada como um bom colo de mãe para curar frustração! Logo, logo a pequena menina deu jeito em lidar com seu saber incompreendido, para tudo dá-se um jeito. Tornou-se de seus colegas, a colega-professora.
Vocação descoberta, impossível não exercê-la. Velha conhecida sua, pois tal profissão exercera desde sempre, no porão de chão batido, onde há muito inaugurara sua primeira escola! As classes, pequenos caixotes de madeira que seu pai lhe trazia da fábrica, acomodavam seus alunos e alunas. Aliás, estes nunca faltavam, se a maninha menor ou amiguinhas vizinhas cansavam da brincadeira, muito mais frequentemente, alunos imaginários ocupavam seus espaços. Giz o maior problema, dificilmente conseguia furtar um pedacinho ao término da aula. Felizmente, o quadro verde, não era verde! Assim, as ásperas tábuas de costaneira, não reclamavam se não tão delicadas, eram as carícias do carvão, e, se manchavam tanto. Afinal, as mãos da professora, o rosto, o vestidinho ficavam muito piores. Sua mãe que o diga, com quanto sabão e quanto esforço nasce uma professora!
(... ... ...o conto continua, o sonho também!)
Publico a primeira parte deste conto, para homenagear todos/as colegas de profissão, que assim como eu, acalentaram seus sonhos na simplicidade do interior, rompendo as fronteiras da periferia. Somos heróis, aprendemos a superar barreiras e desafios! Parabéns, educadores e educadoras! Continuemos na luta por uma Escola Pública de Qualidade Social!
Um forte abraço pelo nosso Dia! (ou melhor:todo dia é nosso dia)!!!
Gelcí, 14/10/2007