Azul Pinky
Olá, meu nome é Zack… mas pode me chamar de Hudson ou Antônio ou de qualquer nome que quiser. Nomes são apenas identificações humanas que nos são dados à revelia quando nascemos. Nunca pensei em algo tão errado quanto a impossibilidade de trocar facilmente de nome quando chegamos na idade da razão. Por que diabos é tão difícil trocar de Zacarias (sim, Zack é só um apelido bonitinho como você já imaginava) para algo mais "comum" e que não se pareça com personagem caricato dos anos oitenta? Algo como, sei lá, André ou Eduardo. Aliás, por que tudo tem de ser exatamente ao contrário daquilo que é nossa vontade? Por exemplo: entristece-me olhar as fotografias de minha infância e ver que só me vestiam de azul quando a cor de minha predileção sempre foi rosa pinky. Tá, já sei o que está pensando e, não, isso nada tem a ver com minha sexualidade. Sou heterossexual até o último fio de cabelo e ponto final. Tem a ver com minha aversão por certas convenções humanas idiotadas que se perpetuam sem que ninguém as questione. Mas, se quer realmente saber o motivo de minha apreciação pela dita cor, vou te contar. Está relacionada com um evento específico que ocorreu quando eu tinha apenas quatro anos. Eu e minha mãe passávamos por determinado lugar e uma cena despertou minha atenção. Vi quando uma mulher trajando uma blusa rosa pinky desceu de seu carro, um belíssimo carro por sinal, daqueles cujo letreiro invisível diz: "Feito pra rico". Ela dirigiu-se a um menino que esmolava na porta de determinada franquia de fast food e então abaixou-se e conversou com ele por alguns instantes. Minha mãe percebeu que eu observava e teve a sensibilidade de não me puxar ou chamar naquele momento. Parecia pressentir que algo realmente bom estava prestes a acontecer. A mulher então sentou-se ao lado do garoto e pegou seu telefone na bolsa. Em seguida deu um telefonema breve, de alguns poucos segundos, uns quinze talvez. Eu praticamente não piscava. Observava cada movimento que ela fazia. Nunca antes tinha sentido uma atmosfera de tanto carinho em minha vida. Não de uma pessoa em relação a outra aparentemente desconhecida e ainda por cima maltrapilha. Era uma cena inédita para mim. Acredito que para muitas outras pessoas também.
Em poucos minutos, dois funcionários do fast food saíram com bandejas nas mãos. A mulher recebeu uma das bandejas e a pôs no colo do menino. Depois pegou a segunda bandeja e a pôs em seu próprio colo e então ambos começaram a comer ali mesmo, do lado de fora, sentados à porta do fast food. Eu parecia hipnotizado com aquela cena. Lembro-me de na época questionar o porquê de ela não o levar para dentro. Mas passados alguns anos entendi que isso era o que qualquer pessoa poderia fazer. Mas sentar no chão e fazer-se igual ao garoto… isso não é algo que qualquer um faria. Sobretudo alguém que dirigia um carrão daqueles. Eu tinha quatro anos, ela trajava rosa pinky. Depois disso, nunca tive apreciação por outra cor da maneira como tenho por rosa pinky, mas ainda assim jamais me permitiram vestir rosa pinky na infância. Por que algumas convenções humanas são tão bestas e tão desumanas? Por que perpetuam idiotices como essa? E se aqueles que convencionaram vestir meninos de azul os tivessem vestido de rosa e às meninas de azul? Não seria algo normal, natural? E se fosse lilás? Amarelo?
Mas... isso é só uma reflexão. No geral guardo essas coisas para mim mesmo. Não conheço muitas pessoas com quem poderia conversar assuntos dessa natureza. Bem, meu nome é Zacarias, mas pode me chamar de Alberto ou Renato ou de qualquer nome que queira. Nomes são apenas identificações humanas que nos são dadas à revelia quando nascemos...