Quando o Inverno se Fez em Mim
CAPÍTULO I
CAPÍTULO I
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m fins de dezembro, final de primavera, por volta de seis horas da tarde, o avião descia no aeroporto Tom Jobim. O Sol ainda pretensiosamente investia seus últimos raios na pista. Há poucos metros de altura era possível ver findar-se o dia pela janela do avião. Entre os passageiros havia também gente retornando ou vindo do exterior, como eu, que chegava de Paris ao Rio de Janeiro.
Entre os de primeira classe e os de outras, vinha eu pelos corredores de desembarque, pronto para pegar a minha bagagem e sair do aeroporto ao encontro da minha suporta família que, até o presente momento, eu duvidava ser a verdadeira ainda.
Natural do Brasil, sabia eu, porque me contara a minha estimada avó o segredo mais bem guardado na família: No seu leito de morte, antes do seu último suspiro, me disse ela com a voz fraca de quem da vida se retira: Você não é filho dos seus pais. É adotadivo. Nasceu no Brasil.
Havia então a velha revelado um segredo guardado durante 29 anos na família. Os meus pais estavam no quarto e, creio que sabiam o que velha Madmoiselle Sabrine Rousseau, na verdade, Sabrine Esteves, havia me revelado. Após isto ela empacotou. Despediu-se da vida e nos deixou em paz. A Velha Sabrine havia sido criada em um bordel do subúrbio francês e conhecera meu avô em uma das alegres noitadas. Ele, que era rico, quase como uma história impossível de acontecer, a retirou do bordel e casou-se com ela dando-lhe, enfim, uma vida digna.
Contudo, era justamente merecido que a velha Sabrine, agora milionária, tivesse vivido num mundo tão sombrio e escroto como o que havia vivido por boa parte da sua vida antes do casamento. A velha era miserável. Tanto que, somente após a sua morte, descobrimos que sua herança milionária havia sido doada para instituições do governo de Paris e outra parte para um senador que fora seu amante. Deixando-nos em completa miséria morando num apartamento imundo e caindo aos pedaços em Clichy-sous-Bois, subúrbio de Paris. A velha mansão, todos os investimentos em ações e contas bancárias, eram agora, transferidos ao governo.
A decisão da minha viagem ao Rio de Janeiro se deu quando, conversando com meus pais, após o episódio da morte da velha Sabrine, descobri então toda a verdade: Eu era filho da Irmã de Sabrine, uma brasileira que morava no Rio de Janeiro e a quem a velha concedia toda a porção do seu ódio na vida. A minha mãe verdadeira haveria morrido no parto de uma menina, que supostamente seria minha irmã, já que era filha do mesmo pai, Antônio das Flores, também brasileiro. O fato é que seu Antônio, meu legítimo pai, trabalhava numa companhia ferroviária e também havia morrido, poucos dias depois da morte de minha mãe num acidente ferroviário. E como a velha Sabrine não queria saber de sua própria família e menosprezava até mesmo sua legítima filha, eu havia sido adotado por eles, Anna Rousseau e Pierre Alexander, até então, para mim, meus legítimos pais. Ana e Pierre já sabiam à que devia-se toda esta revolta da velha contra a família.
Foi então, após toda essa reviravolta, que decidi embarcar em busca de encontrar a minha irmã legítima. Irmã que sequer teria consciência da existência algum dia se não fossem as últimas palavras da velha em seu leito de morte.
Ao sair do aeroporto, fiz sinal ao primeiro táxi. E com meu péssimo português afrancesado, pedi que seguisse para Copacabana. No caminho, percorri por ruas já quase escuras e muito movimentadas. O calor era insuportável e a velocidade com que percorria o motorista pelas ruas era inacreditável.
Ao chegar a Copacabana, o relógio já marcava oito e cinco e já se fazia noite. Saltei em frente a um prédio acabado na Barata Ribeiro que ficava próximo a uma estação de metrô chamada Arco-Verde. Estava diante do prédio onde supostamente morava a minha legítima irmã.
CAPÍTULO II
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prédio onde essa pessoa, essa suposta irmã morava, era algo inacreditável. Certamente, nós, em Paris, tínhamos mais conforto que ela. Sem dúvidas. A portaria era algo totalmente escuro e nojento. Mal subi os primeiros degraus e deparei-me com ratos e baratas transitando livremente entre escadas e lixeiras que se escondiam amontoadas numa porta ao lado do portão de entrada. O porteiro estava confortavelmente relaxado e com camisa abotoada apenas na metade do seu abdomem. O movimento no prédio à esta hora era intenso. Um entra e sai de prostitutas e gente estranha, mal encarada, e sem dúvidas, não totalmente de boa índole, segundo os meus pressentimentos. Perguntei então ao porteiro pelo nome da minha irmã: Carla... Ele não conhecia.
Imaginei como alguém que seria porteiro de um prédio não haveria de conhecer os moradores. Mas imaginei também que ela poderia ter se mudado, pois não seria possível que morasse, a minha irmã, naquele prédio. Agradecido, peguei minhas malas e fui saindo quando uma das supostas prostitutas que estava encostada próxima ao elevador, e que me observava desde o começo, gritou de lá:
- É a Carla Esteves? Está procurando por Carla Esteves?
Esteves... Esse era o sobrenome verdadeiro da minha avó, conforme haviam me revelado Ana e Pierre. E Carla era o nome dela.
- Oui, madmoiselle! É Carla Esteves o nome... Ella mórra aqui?
- Mórra. Só que é no quinto andar. Apartamento quinhentos e nove. Mas não adianta procurar por Carla Esteves. Aqui, todo mundo conhece ela por paquita.
- Pequita?
- É, é só chamar por paquita.
Após isto, perguntei se o porteiro não queria avisar que eu estava subindo, mas ele não fez questão. Informou-me o caminho do elevador e só.
Dentro do elevador, que era absolutamente velho e intragável, eu comecei a pensar como me receberia... E como seria a minha irmã... Se saberia da minha existência... E como viveria naquele prédio no Rio de Janeiro. Pelas frestas da porta do elevador eu, por vezes, sondava o ambiente que, a cada andar, me parecia um mundo cada vez mais promíscuo e indecente. O elevador parou no quinto e eu prontamente abri a porta. Estava enfim muito próximo de conhecer a minha legítima irmã.
(Continua...)
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