O BILHETE

O bilhete havia sido escrito ao amanhecer. Com letras irregulares dava a impressão de ter sido rabiscado sob pressão psicológica. Deixava uma mensagem enigmática, intrigante, perturbável.

Os olhos liam com ansiedade, sofreguidão, desejo de buscar a resposta mais profunda para o subconsciente sofrido.

Mas, não havia resposta. Apenas o vazio daquelas letras traziam à tona um velho problema, a lembrança de uma dor que não se expressava.

Por várias vezes havia observado a tentativa de relatar o fato mas sempre se perdia na covardia de sua mente traiçoeira.

Resolveu fazer uma busca nos arquivos pessoais. Não considerava como uma invasora. Tornou-se uma necessidade. Presente, urgente, final.

Primeiro local de procura, óbvio, seriam as gavetas. Busca de vestígios, sinais, algo que pudesse solucionar o enigma. Encontrou canetas, lápis, uma borracha gasta e pequenos prendedores de papel. Nada significativo.

Resolveu dar uma vasculhada no maleiro. Era alto. Foi preciso buscar uma escada. Encontrou, mas, com degraus danificados. Mesmo diante do perigo resolveu arriscar. Subiu com cuidado. Já no alto do quarto degrau desequilibrou e quase foi ao chão. Consertou o corpo, manteve o equilibro.

Passado o susto começou a procura. Encontrou papéis velhos, documentos em uma pasta verde limão e pequenas bolinhas como se houvesse amassado os papéis num momento de ansiedade ou mesmo de desespero. Colocou-as no bolso da jaqueta que usava. Mais tarde jogaria ao lixo.

Nada, realmente, que pudesse dar sinais daquele momento intenso, rebelde, gratuito, covarde.

Ligou o rádio numa estação e ouviu uma música suave. Sentiu uma leve ansiedade apoderar-se de seu coração. Saiu pela porta dos fundos rumo ao jardim que circundava sua varanda.

A varanda havia sido reformada recentemente. Um sonho de outrora. Estava perfeita. Mas, não estava com tempo para observar detalhes. Algo mais urgente exigia sua atenção.

Deu a volta pelo campo repleto de uma gramínea rasteira. Estava lindo. Num tom verde intenso. Sentou-se ao chão e tentou encontrar respostas. Por quê?

Resolveu pegar as bolinhas de papel que estavam no bolso. Começou brincando. Jogava para o alto e pegava. Repetiu esta brincadeira, inconscientemente, por uns dez minutos.

De repente teve um insigt. Haveria algo escrito naqueles papéis?

Abriu o primeiro: PAZ.

Abriu o segundo: PAZ.

Abriu o terceiro: PAZ.

Abriu o décimo: ...

O que seria a paz para uma mente insana? Tentou refletir o significado de PAZ. Seria ausência de conflito? Abraço infinito? Tempo perdido? Inconsequência humana? Como se estabeleceria um conceito para uma palavra tão abstrata?

Desistiu de encontrar respostas e abriu o ultimo papel.

"Não aguento mais" Foi a frase final.

Condoeu-se com aquela dor abstrata, porém avassaladora. Sentiu compaixão e de seus olhos brotaram lágrimas de compreensão. Chorou copiosamente por momentos infindáveis.

Resolveu reagir. Secou as lágrimas. Guardou os papéis. Levantou-se de forma lenta. Retornou ao ponto principal. Releu o bilhete. Por mais uma, duas, inúmeras vezes.

Sentiu uma tranquilidade apoderar-se de seu corpo. Sentou confortavelmente no sofá e começou a rabiscar umas linhas. Fechou os olhos. O cansaço dominou sua mente. Adormeceu. Em paz.

NEUZA DRUMOND
Enviado por NEUZA DRUMOND em 22/04/2020
Código do texto: T6925549
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