Lá e cá
Era uma vez um rei autoritário , ignorante , louco. Só ele sabia. Só ele mandava. Só ele ditava as regras e leis de seu país enfraquecido, aos frangalhos, por tantos equívocos e incapacidade técnica de seu reinado. Certo dia um vírus novo, perigoso, letal, chegou ao mundo e ameaçava a vida de todos: Reis e rainhas, escravos e plebeus, ricos e pobres. Menos a sua, pois acreditava ser um super-rei, um super- atleta, um gladiador , um Spartacus, um super- homem, quiçá, um Zeus, inatingível. Subestimava médicos e autoridades do mundo científico . Subestimava a ciência! Só ele sabia. Zombava de todos . Desobedecia a todos. Brincava com a vida de todos. Queria ser igual a um outro louco, rei da maior nação do mundo. Queria copiar-lhe a fala, os gestos , as ações , a loucura. Competir com ele para ver quem ganhava na estupidez e insanidade. Este, que se considerava o maior sábio de todos os tempos, espalhou em seu país que um certo remédio , milagroso, iria salvar o mundo de tal pandemia . E todo povo infectado começou a tomar o tal remédio. O louco de cá também copiou o seu grande ídolo . E todo povo doente de cá também começou a usar o tal remédio . Muitos morreram lá e cá. Muitos foram curados, lá e cá, os que tomaram o remédio, e os que não tomaram. Muitos ficariam com sequelas pelo resto de suas vidas. Lá e cá. Mas ambos os loucos cantavam a vitória do tal remédio, lá e cá. E a pandemia continuava. Eram pilhas de caixões de lá e pilhas de caixões de cá. Mas eles eram os super-heróis da humanidade. Estavam salvando o mundo... e levavam muitos a acreditar, desesperados pela cura, pela vida. E a pandemia do vírus ganhou força, robustez. Foi roubando, a cada novo sol, mais vidas. E o mundo foi ficando vazio. Um deserto imenso. As famílias separadas. Já não havia festas, já não havia reuniões . Já não havia abraços , já não havia beijos , afetos, afagos, todos trancafiados em suas masmorras, em suas solitárias domésticas e bombardeados pela pior pandemia: a da ignorância.