NUM "CERTO" DICIONÁRIO EQUIVOCADO...

-...JUDAS - natural ou proveniente da Judeia; o que segue a religião judaica; homem mau, indivíduo avarento ou negocista; traidor; cidadão do moderno Estado de Israel; boneco ou estafermo que se costuma queimar no sábado de Aleluia; JUDIAR - mofar, atormentar, apoquentar, pirração, praticar crueldade......... - Prova de preconceito anti-semita; perseguições antijudaicas há mais de dois mil anos. --- Numa ENCICLOPÉDIA semanal... - JUDEU - povo semita descendente dos hebreus, nos reinos de Judá (Judeia). --- ERROS - Nenhum judeu do Brasil nasceu na Judeia. Pouquíssimos seguem rigorosamente a religião judaica. O cidadão do Estado de Israel chama-se israelense. Atualmente, indivíduos de várias origens etnoculturais que professam o judaísmo (também chamados de israelitas) ou estão ligados a essa tradição. ----- ACERTOS - No Brasil, muitos judeus não seguem os preceitos de sua fé e os judeus são... brasileiros e nem toda profissão é mercantil: há mais médicos-arquitetos-arquitetos-cientistas-industriais judeus que comerciantes.

1---Imaginem o sofrimento do personagem, o velho KAPMANN, cabeça baixa, saindo do cemitério - túmulos profanados, retratos despedaçados dos velhos amigos, suástica (encontrada em culturas-religiões-tempos-significados diferentes, leitor sabia?) pichada, ódio no muro branco... Ah, imensa vontade de chorar. "Recomeçar tudo? Não bastaram 5 milhões de mortos?" E ele viajou para sua fazenda, a 400 quilômetros de Curitiba. Pela manhã, jornais com notícias sobre profanação do cemitério israelita, buscas da polícia e cartas anônimas dos nazistas que prometiam fazer de cada judia uma prostituta e incendiar cada sinagoga, vingança (?) sobre cada cão judeu... --- Aconteceu faz mais de dois anos e ele (apelido Seu Capa) quase não lembra mais dessa tristeza, pisando no lamaçal vermelho no Norte do Paraná, orgulhoso de suas plantações - cafezal bem cuidado, arroz plantado entre arbustos, milho adubado em cortina verde de 2 m de altura, três espigas em cada pé; do outro lado, boiada no pasto, oitenta reses gordas, pêlo brilhando. Pequeno modelo de agricultura, cercado por um gramado que ele mesmo apara e aproveita uma fonte natural para manter a forma física (76 anos). A outra casa é do sócio, jurista HERMANN MEIER (79 anos), que também abandonou o trabalho como advogado na terra natal por ser judeu. Ambos emigraram da Alemanha com a subida de Hitler ao poder e trocaram as atividades por um pedaço de floresta - terra virgem - no Brasil, numa troca de seus bens com uma companhia inglesa. Desde CABRAL, chegaram cerca de 160 mil judeus, a maioria sofrendo perseguições: guerra, nazismo, integralismo, preconceitos raciais e religiosos. KAUPMANN chegou primeiro, com mulher e dois filhos pequenos - nos primeiros aos, derrubou floresta, ergueu a casa de madeira e começou a plantar, e amigos e parentes começaram a "desaparecer" nas perseguições do Terceiro Reich. MEIER chegou logo depois com a mulher e um filho, escritório e livros destruídos em Frankfurt, mas recomeçou a vida - floresta, solo vermelho, café, língua e profissão estranhas em terra estranha... O futuro? Dominaram a floresta, aprenderam agricultura brasileira, excelentes safras, conquistaram amizades, crianças na escola, gramados, flores, frutos... Aliados vencendo, nazismo em agonia. Maio/1945: guerra acabou. O amigo CÂNDIDO PORTINARI encheu de quadros as paredes de KAPMANN; o 'shakrit', oração da manhã dos judeus, deixou de ser um lamento.

2---Em 1947, o brasileiro OSVALDO ARANHA presidiu na ONU a solenidade da fundação do Estado de Israel.

3---Quando alguém visitou as fazendas, "elogiou": "...nem parecem judeus e sim homens de bem!" - melhor fechar os olhos para preconceitos, pequenas injustiças. Nunca esquecer os outros que não puderam sair da Europa, mortos nos campos de concentração. Na época, incidentes anti-semitas foram algumas vezes motivo de riso - integralistas organizaram uma passeata contra os judeus de Caxias do Sul, com a presença de líderes do nazismo brasileiro; os judeus saíram da cidade para evitar confusões, mas o dono do hotel, misto de bolchevique (grupo russo oposto ao czarismo) e dom quixote, mandou recado que voltassem - foi para a cozinha, preparou pessoalmente a comida dos fascistas e na hora marcada os cabeças do movimento, nos quartos, com dolorosa desinteria. --- Um grande comerciante de Uruguaiana organizou um movimento anti-semita na cidade, mas um certo Fischer "comprou" dele títulos vencidos, pôs tudo no cartório e acabou com a alegria do nazista.

4---O fim da guerra não foi o fim das humilhações, ainda acontecendo menores manifestações de preconceito, como em 1961 a profanação do tal cemitério e no ano seguinte pichação de escolas e sinagogas com suástica nazista; em 1963, repetição dos incidentes e ameaças a líderes da comunidade com telefonemas anônimos, no Rio, em São Paulo, Porto Alegre, Recife e Salvador. O SNI descobriu os nazistas que atuaram em Curitiba e um morador no Rio de Janeiro, ligado ao filho de Eichmann, residente em Buenos Aires, e grupos de nazistas do Sul. Um cinegrafista judeu curitibano filmou nazistas refugiados em colônias - fardas, armas, campos de treinamento e propaganda. Importantíssimo termos atenções para os fenômenos anti-semitas que aparecem no Brasil. Seis milhões de judeus sacrificados. O advogado FERNANDO LEVISKY liderou uma campanha contra dicionários racistas, mas sabe que tirar esse verbete não elimina um preconceito secular.

5---Os primeiros judeus vieram com CABRAL. Em 5/12/1496, Dom Manuel I, o Venturoso, expulsou os judeus de Portugal, quase 200 mil, 20% da população. Brasil descoberto em 1500, momento oportuno para judeus e cristãos-novos aqui se abrigarem. Alguns, como Gaspar de Lemos, vieram já com Cabral; outros depois, como Fernando de Noronha e João Ramalho... No tempo colonial, viviam bem aqui, onde a Inquisição raramente chegava; poucas vítimas, todas levadas para Portugal - entre elas, a mais ilustre, Antônio José da Silva. --- A segunda leva chegou com os holandeses - judeus portugueses não batizados, fugitivos das perseguições religiosas. Com a derrota dos holandeses, muitos ficaram em Recife, muitos emigraram para o Norte e fundaram o porto de Nova Amsterdam, atual Nova York. --- A terceira veio de Marrocos, logo após a Independência do Brasil, colônias de mascates e vendedores estabelecidas na Amazônias; viraram "turcos" pois a cidade pertencia então à Turquia - muitos pioneiros da perfuração petrolífera. --- A quarta veio no século XIX da França, inicialmente dedicando-se à cafeicultura, depois dominaram o comércio de joias e tecidos na capital paulista, e fundaram a primeira cervejaria no Brasil. --- A quinta, no fim do século XIX até a I GM, pelas perseguições da Rússia czarista - judeus poloneses, ucranianos, lituanos, bessarabianos, a maioria pequenos comerciantes, artesãos e artistas. --- A sexta, muita gauchada. --- A sétima provocada pela perseguição nazista e fascista. --- A oitava, entre 1945 e 1950, sobreviventes dos campos de concentração, e em 1956 os judeus expulsos do Egito por Nasser.

(Segue.)

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 12/04/2020
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