A ESTRANHA COINCIDÊNCIA
A ESTRANHA COINCIDÊNCIA
- “Mais vale ser rainha uma hora que duquesa toda a vida”.
Antes parecia uma deixa de uma peça de Casona mas tinha sido aquela a resposta que suportara a decisão ensandecida de aceitar vir a ocupar ilegalmente, correndo um risco de morte, o trono que há sessenta anos tinha sido de ancestrais antepassados portugueses.A Crise de 1580.
João, duque de Bragança feito rei D.João IV a ferro e fogo numa revolta nunca vista que contra Espanha e a Ordem estabelecida restaurara a Independência em 1640.
E havia, Luisa, a mulher e o seu exemplo, a espanhola que por casamento renegara a sua origem e se pusera ao serviço da nação oprimida.Um grande império criado por antepassados notáveis, grandes figuras dos Descobrimentos que o vendaval dos tempos tinha levado.India , África, Brasil, ilhas atlânticas ,territórios e possessões esbulhados insaciavelmente durante o domínio filipino.Os filhos que tinham gerado ambos , a fogueira dos sentidos no tálamo conjugal do solar em Vila Viçosa e que reclamavam a coragem do Progenitor em assumir o papel que lhe fora reservado e o direito de virem a ocupar a posição que lhe era merecida.
O rei ad hoc sofria com o medo, mal dormia com o pavor de ser feito cativo do inimigo e vivia contantemente crispado.
Tinha sido num regresso não se lembrava de onde que o Frade de boca retorcida e olhar enviesado, uma erva daninha se tinha acercado e em jeito de exigência lhe pedira esmola que ele apressado, confrangido teria recusado.Mas o franciscano rude e sebento insistira ousando puxar pelo manto que o Rei ostentava.João enfureceu-se com tal descaramento vociferou que “não”, perdeu a cabeça, desferiu pontapés sem alvo certo, na tentativa de se libertar daquela eventual armadilha pegajosa e persistente.
O homem ganiu irado com a atitude defensiva do Soberano e escarninho rogou-lhe uma terrível praga.
Talvez D.João IV não tivesse ouvido mas o seu clamor e efeito envenenado repercutir-se-ia ao longo de séculos como uma maldição de conto de fadas. A maldição dos Braganças.
Bellevue.Versailles.Uma manhã de Inverno.Amélia, rainha acordou de uma noite sem sono confusa e angustiada.Fora há um ano ou há um mês o funesto telegrama que anunciou o que o pior dos seus pressentimentos lhe revelara horas antes?Seu filho, Manuel II, rei de Portugal no exílio em Inglaterra, morrera de súbito, vítima de um endema na glote.Ela afligira-se, sentira um gelo súbito apoderar-se do seu coração aflito.Penas em vão.
- Tout est terminé!
Não havia mais esperança.A dinastia dos Braganças para sempre e sem remédio extinta.Os milhares de portugueses que ansiavam o regresso do seu jovem rei viam desfeitos os seus anseios mais pungentes.
- Vão pairar à volta dela que nem abutres para a liquidação final - alguém vaticinou
Um dos seus fieis seguidores dissera-lhe:
- Majestade, a luta está perdida.Deus assim o quis.Não há nada a fazer.Mas vós, Senhora, ficareis para a História como a última rainha de Portugal.
Ela esboçou um sorriso amargo.Ferida no mais íntimo do seu ser.Decerto, a última já que que Augusta Vitória, sua nora , passados alguns anos tinha voltado a casar,contrariando o que Amélia achava que deveria ser o destino trágico de uma viúva real.
A sua camareira ajudou-a na toilette.Amélia desceu e dirigiu-se à Biblioteca numa incursão às memórias do seu passado.E pegou, contrafeita num volume de um tal Oliveira ou Rocha de apelido Martins, historiadores da funesta dinastia de que seria ela, a última protagonista.E folheou as páginas do livro.
Morreram como tordos, os filhos primogénitos dos segundos filhos ao longo das gerações de reis.Em comum,talvez uma natural arrogância,o desejo de tomar o poder e uma certa apetência ou mesmo talento, nalguns casos, para governar.
Teodósio,João,Pedro,José, Francisco António, Miguel e Luis Filipe, todos os filhos mais velhos , não chegaram a reinar.Uma estranha coincidência ou um mito, um conto de mau gosto dispensável em que se alicerçou a crença popular.
Com duas excepções e uma confirmação – relembrou a Rainha.O seu próprio marido assassinado á traição cobardemente no regicídio de 1908 e seu antepassado tio, o enigmático e muito amado rei D.Pedro V que a Morte ceifou implacavelmente aos vinte e quatro anos.
E o mesmo facto verificado igualmente com os descendentes de D.Pedro IV no Brasil.
Os abutres depressa iniciaram o voo circular em busca dos restos.Um ou mais outros ramos da família banidos e expulsos há anos da linha de sucessão, uma senhorinha castiça que se dizia filha bastarda do rei D.Carlos, uma aventureira americana que se casara por interesse com o irmão do rei para concorrer à herança, o sagaz presidente do Conselho do Governo Português que ora lhe fazia rasgadas vénias ora lhe sugeria que doasse o significativo património dos Bragança à Nação que os exilara .Trigo miúdo, amendoins ou peões quase insignificantes numa renhida história com um final infeliz.
D. Amélia recostou-se e deixou que lhe servissem um chá.Sem contemplações, e com gravidade pensou:
- Maldição, mito, coincidência ou não cabe-me afinal a mim pôr um ponto final em tudo isto.Terei que pedir protecção divina, conselho aos exemplos dos meus ancestrais mais ilustres para decidir. E decidir bem.
Os ventos da História sopraram inexoráveis.E mais de um século após, uma multidão de simpatizantes em silêncio e recolhimento aprovou emocionada a nobre atitude de Dª Amélia , a última rainha de um pobre e castigado país chamado Portugal.