UM PASSO, E DEPOIS OUTRO.

Sem perceber, adentramos numa mata fechada e nos perdemos de nós mesmos enquanto a floresta se agigantava. Nossos ouvidos se ensurdeceram com a batida pesada do que vem depois e nos esquecemos de escutar os pássaros guiando o caminho.
Um de nós se encorajou a abandonar a trilha acalcada de anos e nem ouvimos seus gritos quando um animal qualquer o estraçalhou até a morte. Continuamos seguindo, um passo, e depois outro, uma bela fila alinhada com um número absurdo de idiotas mirando só o avante.
Não sentimos o doce sabor do rio encharcando nossos pés e menos ainda os espinhos que perfuravam nossa pele. Era sangue e mais sangue, escorrendo pelos braços, pelos rostos, e era também a sujeira debaixo das unhas.
Das mãos que se enfiavam pela nossa goela, comemos aquilo que havia: o sabor amargo que arranhava nossas gargantas era um desconforto plausível para a certeza de que qualquer coisa cairia em nosso estômago – como um martelo de chumbo.
Nossos olhos se monotonavam na visão doente da cabeça à frente, balançando aqui e ali, ombros baixos na ganância de sustentar o peso do próprio ego – talvez Atlas fizesse menos esforço. Todos gostaríamos de ser o primeiro – este pelo menos veria qualquer coisa além de uma outra cabeça. Mas quem era o primeiro?
A noite era tão escura quanto o dia, e nossos corações cheiravam a brasas de uma fogueira padecente. Acostumamo-nos à mistura do odor podre daquilo que nunca fomos e do odor acre daquilo que somos por imponência.
Fizemos a promessa de permanecermos vivos, no entanto não entendíamos direito o conceito de viver: sentíamos as respirações e os suspiros ofegantes de cansaço, era isso?
Nunca nos sentimos únicos ou sozinhos, éramos sempre um conjunto, todos éramos um. As vozes que sussurravam mais alto que nossos pensamentos diziam que isso nos tornava uma família.
Uma eternidade poderia se passar, e a única certeza que teríamos era a do próximo passo: o próximo passo é um passo mais perto do objetivo, diziam. Perguntávamo-nos qual era o objetivo e algo dentro de nós nos dizia que valia a pena.
Por isso, continuávamos e continuávamos, com ombros cada vez mais baixos e cabeças cada vez mais vidradas no solo, pescoços tortos e pontiagudos como feras. Continuávamos e continuávamos, sorvendo aos pulmões a dor do próprio egoísmo e individualismo.
Um passo, e depois outro. Um passo, e depois outro. Até o fim que nos esperava. Um passo, e depois outro. Até que nossa fogueira não fosse nada mais que resquícios, nada mais que a morte de um incêndio: uma nuvem homogênea de fumaça cinza, a lembrança maçante de existências uniformes.
Marina Solé Pagot – 17 anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 08/04/2020
Código do texto: T6910701
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