RETROVISOR

Em alguma noite de sábado de algum mês do ano de 2006, Santini retorna sozinho de um encontro com amigos nos bares da Praça do Centro Cultural Dragão do Mar. Dirigindo pelas ruas do centro da cidade, colide o retrovisor do seu carro no retrovisor de um carro alheio estacionado. Percebe que seu retrovisor não quebrou por ser retrátil e pensa: “Será que o outro quebrou?” Reduziu a marcha, com a intenção de retornar, ver, e reparar, se necessário, acordando com prejudicado a melhor maneira de resolver a situação. Porém, continuou titubeante até parar no semáforo adiante e ajustar seu retrovisor na posição correta. “Estou sozinho, é tarde da noite, essa rua onde o carro está estacionado se localiza em frente a bares e prostíbulos. É um lugar perigoso”. Continuou seu trajeto para casa desenvolvendo um embate entre o sentimento de culpa por não ter voltado para averiguar se realmente havia feito mal a alguém e o sentimento de proteção de si mesmo ao evitar ser agredido ou assaltado naquele local. “Acho que serei punido se quebrei a coisa alheia. Tenho essa consciência. Que assim seja, em outro momento e da mesma ou diversa forma! Mas, retornar ao local é arriscado”

Em casa, levou ao fogo macarrão instantâneo e deitou no sofá para aguardar o cozimento. Desperta uma hora e meia depois sentindo o cheiro de coisa queimada. Corre para cozinha, apaga o fogo e vê o interior da panela toda preta saindo fumaça. Era o último pacote de macarrão. Joga a panela na pia e a enche de água. Resta-lhe dormir.

Passados quatro dias, ao sair de casa empreendendo marcha ré no veículo, bate o mesmo retrovisor da pequena colisão de sábado. Bate na quina do portão metálico que abre as duas partes para dentro da garagem. O retrovisor elétrico quebra e fica pendurado por uma fiação interna. “Caramba! Lei do retorno? Por que veio tão rápido? Será que por ter consciência de que essa lei é infalível aconteceu mais rápido? Poderia acontecer daqui a mais dias, meses ou anos e eu nem entender quando algo desse errado na vida estar ligado àquele retrovisor quebrado no sábado”

POSFÁCIO (ainda em desenvolvimento)

Lei do retorno consistiria em que um ato praticado por alguma pessoa terá consequências de retorno em condutas às quais o praticante do ato antecedente será passivo de ato consequente praticado por outra pessoa ou ele mesmo, como no caso, Santini quebra o sue retrovisor. Essa seria uma explicação no campo holístico em que se crê que o universo se ajusta equilibrando as relações interpessoais de modo sistêmico em que se está ligado a todas as relações interpessoais diversas. Por isso, poderia ser praticado o ato de retorno por outra pessoa estranha ao fato ocorrido e em tempo remoto ou próximo, além de, não necessariamente, ocorrer igual, mas de modo diverso: outro objeto quebrado, uma oportunidade que se perde em outro momento da vida de etc. Se realmente Santini avariou o carro alheio e essa 3ª Lei de Newton no mundo metafísico com consequências no mundo material existe, (no mundo físico a 3ª lei de Newton – Ação Reação – ocorreu de forma imediata no momento da batida) pode-se entender como uma cadeia de acontecimentos, dm que o elo de fechamento é realizado por outrem. Pois, se outra pessoa viesse a quebrar o retrovisor de Santini, em outro momento, sem saber (ou sabendo) que Santini também havia quebrado de outra pessoa, e reage como Santini, também não reparando o dano, essa pessoa se torna a “bola da vez” e alguém (ou ela mesma) praticará, ou ocorrerá, ato que recompensará negativamente Santini. Se realmente, essa lei do retorno existe, Santini ao quebrar seu próprio retrovisor encerra o círculo, não sendo repassado a outra pessoa o alvo a receber a seta do destino sujeito a lei causal de retorno.

Quanto ao aspecto psicológico, o ego de Santini foi fustigado pelo seu superego. Isso, porque a formação de seu superego entende, aceita e pratica o valor ético de que se ele ofendeu alguém, deve reparar/compensar, ou ser julgado e punido. O superego controlando/influenciando o ego poderia fazê-lo retornar para o local sem se preocupar com sua segurança, seja pela superposição da alteridade e/ou empatia de não fazer o mal às pessoas ou outro valor moral. Nisso, no conceito de “mal” para Santini, a conduta de dano está adjetivada por tal conceito. E se não estivesse no conceito de mal? Aconteceria o retorno desse mal? Esse mal deve ser uma conceituação individual ou coletiva para que aconteça a punição?

No caso de Santini, o seu superego entendeu a conduta de dano como uma falta a ser reparada ou cobrada. Como o ego não reparou ou não compensou com Santini quebrando seu retrovisor depois de modo voluntário e consciente, o inconsciente tratou de esvaziar o sentimento de culpa do ego quando Santini quebrou, involuntariamente, o retrovisor ao sair de casa. É como que o Id dissesse: “Ei, Ego, enquanto você não resolver essa situação de culpa, o superego encherá seu saco!”. “Essa energia negativa tem que ser liberada para não continuar causando desconforto”.

Assim, Santini se viu livre do sentimento de culpa ao quebrar seu próprio retrovisor e não desenvolveu uma neurose, como por exemplo: fobia em olhar para retrovisores ou passar pela mesma rua à noite etc.

Como não se sabe se ele realmente quebrou o retrovisor alheio, em vista que não se tem esse dado, não se sabe se a lei do retorno segundo as crenças religiosas ou mundanas existiu e se efetivou no caso ou se, a simples crença de ter quebrado, sem ter quebrado aquela parte do carro de outra pessoa, criou todo esse circuito psicológico. Ou, em análise mesclada das duas hipóteses, tanto a lei do retorno universal como a formação psicológica de Santini culminaram em autocorreção.

Talvez, seja interessante também analisar sob a perspectiva do consciente coletivo, inconsciente coletivo, sincronicidade e sombra...

Ilton Paiva
Enviado por Ilton Paiva em 29/03/2020
Reeditado em 31/03/2020
Código do texto: T6900690
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