ALBUM DE CASAMENTO
Uma por uma eu repassei as folhas daquele álbum de fotografias. Em cada uma me demorei o necessário para reviver cada instante que as haviam originado. Mas só olhar não me bastava. Há algo em mim que me faz vestir personagens e dar-lhes vida. Algo que me faz entrar dentro de palavras e dar formas às lembranças. Então, eu quis entrar dentro daquelas imagens retratadas naquelas páginas já tão amareladas. Talvez porque se aproximava o aniversário daquela data em que foram tiradas. Assim, eu vesti novamente meu próprio personagem retratado ali e me transportei para aquele dia.
Era quase inverno assim como hoje. Um desses dias em que os raios do sol transmitem calor, mas não aplaca o leve frio que o vento de final de outono trás. Estive pensando que as passagens mais marcantes de minha vida se sucederam no outono ou inverno. Não que eu tenha uma relação com estas estações. Mas de certa forma elas me perseguem. Aprendi a gostar delas. O outono tem um mistério que me fascina... Folhas amarelas que dançam a coreografia dos ventos. O inverno é branco e frio, mas tem algo de calor que invade o corpo.
Mas, eis que mudo a direção de minha escrita. Não quero falar de estações. Deixe-me então voltar para meu personagem que me espera no meu recanto de memórias. Um personagem de uma história de quinze anos...
Vestida de branco entrei naquela Igreja à maneira formal e comum a todas as noivas que sonham esse sacramento: um vestido branco... Uma marcha nupcial que iniciava a divina comédia mais reprisada de todos os tempos. O vestido que me vestia era todo bordado e com uma saia enorme e pesada que eu arrastava como se fosse uma personagem imperial. Mangas bufantes quase escondiam meus braços. Meu corpo amiudava dentro dele. Mas parecia uma Cinderela. Disfarçando a tensão, apertava nas mãos um buquê bem simples com flores artificiais cor-de rosa e brancas. Um arranjo igual adornava meus cabelos ainda castanhos que ondulei naquela tarde ao estilo baby liss.
Quando entrei na Igreja, todos os olhares se voltaram para mim. Ouvi os murmúrios e senti os olhares que buscavam meu talhe que mal se sustentava numa tensão que só eu percebia. Estranhamente os olhares sempre se voltam para as noivas. Admiração ou compreensão? A olham como se fosse a estrela principal da comédia: uma beleza quase irreal que seria tomada para ser possuída. Talvez escravizada depois. O noivo é ser quase abstrato diante da aparição alva, responsável apenas por possuir ou escravizar. Para os que assistiam a cerimônia a felicidade era só um detalhe no dia mais importante de dois jovens. Mas que importa o que pensam? O destino não pertence a quem tenta adivinhar o futuro de belos noivos que sonham a eternidade.
Eu estava feliz e era admirada. Diria também que estava bela, embora não tivesse uma beleza surpreendente. Mas, noivas são sempre belas. Uma beleza estampada pela felicidade que se descortina em seu horizonte. Para muitas ela se apaga quando os dias se arrastam numa rotina. Esperada, mas não compreendida. A rotina de apenas ser possuída e escravizada. Por isso a compreensão nos olhos dos que as olha. Talvez porque conheçam por experiência própria o destino de quase todas as noivas: uma rotina que se arrasta e as frustrações e as mágoas que se acumulam através dos anos. Penso não ser o meu caso com certeza.
Mas naquele momento não me importava rotinas ou olhares que ousavam ditar ou adivinhar meu destino. No meu rosto, um sorriso demonstrava toda a minha a emoção. Um mar de emoções que nem eu mesma compreendia. Um mundo novo que me esperava e ao qual eu me atirava sem conhecer. Mas não pensava... Tudo o que importava era aquele momento que eu vivia como se vivesse um conto de fadas. Todo o resto não importava.
Meus passos lentos venciam a distância coberta por um tapete vermelho. Através daquele espaço coberto pelo tapete, uma menina bem pequenina (minha afilhada, hoje já tão moça) fazia às vezes de dama de honra e me guiava com seus passinhos quase incertos, além de levar em suas mãozinhas tão pequenas as alianças que selariam uma união. Ao final daquele corredor quase interminável estava o meu destino. O garoto de olhar rebelde e sensual que um dia apareceu no meu caminho nessas muitas voltas que o destino dá. Não parecia se preocupar em perder a solteirice. Magro (seu peso hoje se excedeu um pouco). Cabelos curtos (não longos como hoje). Só não perdera o olhar rebelde e sensual. Trajava um terno cinza quase azul e camisa branca. Estava belo. Hoje bem mais, confesso. Era o meu príncipe... Assim como todos naquela Igreja, me olhava como se eu fosse um ser irreal. Talvez uma deusa, não uma escrava, que marcaria os seus dias numa eternidade ditada por Deus. Meu pai me levava até ele para lhe entregar minha vida. Tarefa difícil de um pai. Porém necessária, já que a vida tem seus muitos ciclos.
Diante de Deus, colocamos nos dedos um do outro, as alianças de ouro que simbolizava nossa união e fizemos um juramento eterno. Então, Deus nos abençoou através das palavras do padre e tornamos a partir desse dia uma só pessoa. Saímos da Igreja para uma nova vida, diferente daquela que até então fizera parte de nós. Uma vida, que garanto, não se arrastou numa dessas rotinas que ferem os corações ao longo dos anos. Uma vida que já brindaremos em Bodas de Cristal nesse quase inverno, em taças que jamais se esvaziaram. Nelas transbordaram sempre o amor ao qual nos entregamos há quinze anos e nos embriagamos ao longo dele.
Quando o padre proferiu suas últimas palavras e nos abençoou, eu despi meu personagem e repassei a última folha daquele álbum de casamento. Fechei-o... De encontro à realidade pensei que além dos caminhos floridos que percorremos e do brilho do sol que esteve sempre presente, muitas vezes pisamos também folhas amarelas de outono ou sentimos o pálido frio do inverno. Afinal a vida tem seus reveses em suas muitas estações. Mas nossa estrada foi uma só... Sem um atalho sequer. Por isso estamos aqui... Para o amor que Deus criou para nós.
Uma por uma eu repassei as folhas daquele álbum de fotografias. Em cada uma me demorei o necessário para reviver cada instante que as haviam originado. Mas só olhar não me bastava. Há algo em mim que me faz vestir personagens e dar-lhes vida. Algo que me faz entrar dentro de palavras e dar formas às lembranças. Então, eu quis entrar dentro daquelas imagens retratadas naquelas páginas já tão amareladas. Talvez porque se aproximava o aniversário daquela data em que foram tiradas. Assim, eu vesti novamente meu próprio personagem retratado ali e me transportei para aquele dia.
Era quase inverno assim como hoje. Um desses dias em que os raios do sol transmitem calor, mas não aplaca o leve frio que o vento de final de outono trás. Estive pensando que as passagens mais marcantes de minha vida se sucederam no outono ou inverno. Não que eu tenha uma relação com estas estações. Mas de certa forma elas me perseguem. Aprendi a gostar delas. O outono tem um mistério que me fascina... Folhas amarelas que dançam a coreografia dos ventos. O inverno é branco e frio, mas tem algo de calor que invade o corpo.
Mas, eis que mudo a direção de minha escrita. Não quero falar de estações. Deixe-me então voltar para meu personagem que me espera no meu recanto de memórias. Um personagem de uma história de quinze anos...
Vestida de branco entrei naquela Igreja à maneira formal e comum a todas as noivas que sonham esse sacramento: um vestido branco... Uma marcha nupcial que iniciava a divina comédia mais reprisada de todos os tempos. O vestido que me vestia era todo bordado e com uma saia enorme e pesada que eu arrastava como se fosse uma personagem imperial. Mangas bufantes quase escondiam meus braços. Meu corpo amiudava dentro dele. Mas parecia uma Cinderela. Disfarçando a tensão, apertava nas mãos um buquê bem simples com flores artificiais cor-de rosa e brancas. Um arranjo igual adornava meus cabelos ainda castanhos que ondulei naquela tarde ao estilo baby liss.
Quando entrei na Igreja, todos os olhares se voltaram para mim. Ouvi os murmúrios e senti os olhares que buscavam meu talhe que mal se sustentava numa tensão que só eu percebia. Estranhamente os olhares sempre se voltam para as noivas. Admiração ou compreensão? A olham como se fosse a estrela principal da comédia: uma beleza quase irreal que seria tomada para ser possuída. Talvez escravizada depois. O noivo é ser quase abstrato diante da aparição alva, responsável apenas por possuir ou escravizar. Para os que assistiam a cerimônia a felicidade era só um detalhe no dia mais importante de dois jovens. Mas que importa o que pensam? O destino não pertence a quem tenta adivinhar o futuro de belos noivos que sonham a eternidade.
Eu estava feliz e era admirada. Diria também que estava bela, embora não tivesse uma beleza surpreendente. Mas, noivas são sempre belas. Uma beleza estampada pela felicidade que se descortina em seu horizonte. Para muitas ela se apaga quando os dias se arrastam numa rotina. Esperada, mas não compreendida. A rotina de apenas ser possuída e escravizada. Por isso a compreensão nos olhos dos que as olha. Talvez porque conheçam por experiência própria o destino de quase todas as noivas: uma rotina que se arrasta e as frustrações e as mágoas que se acumulam através dos anos. Penso não ser o meu caso com certeza.
Mas naquele momento não me importava rotinas ou olhares que ousavam ditar ou adivinhar meu destino. No meu rosto, um sorriso demonstrava toda a minha a emoção. Um mar de emoções que nem eu mesma compreendia. Um mundo novo que me esperava e ao qual eu me atirava sem conhecer. Mas não pensava... Tudo o que importava era aquele momento que eu vivia como se vivesse um conto de fadas. Todo o resto não importava.
Meus passos lentos venciam a distância coberta por um tapete vermelho. Através daquele espaço coberto pelo tapete, uma menina bem pequenina (minha afilhada, hoje já tão moça) fazia às vezes de dama de honra e me guiava com seus passinhos quase incertos, além de levar em suas mãozinhas tão pequenas as alianças que selariam uma união. Ao final daquele corredor quase interminável estava o meu destino. O garoto de olhar rebelde e sensual que um dia apareceu no meu caminho nessas muitas voltas que o destino dá. Não parecia se preocupar em perder a solteirice. Magro (seu peso hoje se excedeu um pouco). Cabelos curtos (não longos como hoje). Só não perdera o olhar rebelde e sensual. Trajava um terno cinza quase azul e camisa branca. Estava belo. Hoje bem mais, confesso. Era o meu príncipe... Assim como todos naquela Igreja, me olhava como se eu fosse um ser irreal. Talvez uma deusa, não uma escrava, que marcaria os seus dias numa eternidade ditada por Deus. Meu pai me levava até ele para lhe entregar minha vida. Tarefa difícil de um pai. Porém necessária, já que a vida tem seus muitos ciclos.
Diante de Deus, colocamos nos dedos um do outro, as alianças de ouro que simbolizava nossa união e fizemos um juramento eterno. Então, Deus nos abençoou através das palavras do padre e tornamos a partir desse dia uma só pessoa. Saímos da Igreja para uma nova vida, diferente daquela que até então fizera parte de nós. Uma vida, que garanto, não se arrastou numa dessas rotinas que ferem os corações ao longo dos anos. Uma vida que já brindaremos em Bodas de Cristal nesse quase inverno, em taças que jamais se esvaziaram. Nelas transbordaram sempre o amor ao qual nos entregamos há quinze anos e nos embriagamos ao longo dele.
Quando o padre proferiu suas últimas palavras e nos abençoou, eu despi meu personagem e repassei a última folha daquele álbum de casamento. Fechei-o... De encontro à realidade pensei que além dos caminhos floridos que percorremos e do brilho do sol que esteve sempre presente, muitas vezes pisamos também folhas amarelas de outono ou sentimos o pálido frio do inverno. Afinal a vida tem seus reveses em suas muitas estações. Mas nossa estrada foi uma só... Sem um atalho sequer. Por isso estamos aqui... Para o amor que Deus criou para nós.