A distância entre nós
Peguei o caminho mais longo para te encontrar. Andei no passo da saudade. Avançando lentamente entre semáforos que não precisava cruzar. Pensando por quais motivos poderia me atrasar. Parando em bancas de jornal. Olhando vitrines. Roupas que não são nem do meu modelo. Desviando de poças das quais poderia pular. Insistindo para carros avançarem, que paravam para permitir minha passassem. Diminuindo o ritmo lentamente para o sinal fechar. Distraído toda vida. Assobiando. Olhando ao redor. Meio dançando ao jogar a perna mais para um lado que para o outro. Completamente descompensado. Fingido. Afetado. Seguindo por lugares conhecidos, por onde já demos as mãos. Sem muita certeza do cálculo, da distância, da coincidência, de tantos fatores que poderiam influenciar nosso encontro. Existia uma pequena margem de erro a qual o acaso poderia compensar nas várias linhas possíveis de tempo, universos paralelos, que um segundo a mais ou a menos faziam completa diferença. Aproximar-me sem certeza aumentava a ansiedade. Devo admitir um pouco de intenção nisso. Um gostinho pela agonia da surpresa. Da possibilidade. Sendo sincero, não estaria sendo completamente justo ao dizer que não sei das reais chances de eu estar passando no exato momento que seu ônibus pararia, você desceria e nós cruzaríamos nossos olhares surpresos como se não tivéssemos planejado termos nos visto. E não planejávamos. Não sempre. Essa não conversa instituída no segredo entre nós parecia fazer parte de algo maior. Sem explicação. Algo quase mágico na inconveniente conveniência de cada convergência de nossas vidas. O momento que afastávamos a distância a cada passada, procurando estreitar a cada instante a proximidade entre nós. Não é que não pensava em nada. Quem olhasse, talvez precipitasse essa conclusão. Meu pensamento era bem direcionado. Guiado por um fio invisível que saía da minha cabeça, que eu ia puxando imaginariamente até me levar ao destino tão esperado. O caminho, tão perto, nunca fora tão longe, e a distância, nunca tão aguda. O problema não era chegar atrasado. O tempo de sobra rolando no relógio pouco importava. Praticamente nada importava. A distração, apenas mera aparência. Todo ônibus que passava o olhar corria a ver se era o teu. E não. Não. Não. Nem aquele. Aquele também não. Indo e indo. A velocidade só decrescendo. Mini passadinhas de formiga. Mais inevitavelmente perto. Em negação. Atravessando a última faixa. A última chance. Olhando para baixo. Desesperançoso. Suspenso da realidade em ideias abstratas, sonhando acordado. Nos veríamos depois, é claro, caso não nos encontrássemos ali. Mas esbarrar com teus olhos sem querer é um dos presentes pequenos, um desses eventos constelares da natureza, que a vida pode proporcionar. Tinha certeza que a vida valia a pena só de olhar para a tua carinha. É que olhar para você me deixa feliz. E não poderia resplandecer mais o contentamento em meu rosto ao pisar na calçada e cruzar com teus olhos. Nos vermos no mesmo momento. Sorrisos instantâneos. Incrédulos pela casualidade. O abraço fazia o tempo parecer se encurtar ao redor de nós, enquanto o mundo continuava girando. Juntos parecia que estávamos sempre fora da ordem do mundo. Num tempo outro. Um tempo nosso. Por que pegou esse caminho? Você pergunta, o sorriso lhe preenchendo o rosto de um brilho tão intenso cujo sol não seria capaz de competir. Nem outra estrela maior. Teu cheiro inundava minhas narinas. A sensação de êxtase arrepiava-me cada átomo do meu corpo. Mergulhei tão fundo no abismo dos teus olhos que me esqueci de respirar. De como respirar. Sempre acontecia. O risco de morrer tamanha beleza, no entanto, não era algo que me preocupava. Seria capaz de olhá-la por horas ininterruptas, mesmo que me custasse não me encantar por mais ninguém nessa vida. Quase me esqueci de responder. Na verdade, me esqueci. E de todo resto. Do mundo ao redor. Das pessoas. Da língua. Do português fluente. De como falava. Da vida. Ah, só porque sim, respondi. E veio andando devagarinho? Talvez. Entendi, você ria, mordendo o lábio e derramando o olhar sobre mim, seus cílios baixavam de um jeito doce quando fazia isso, como num afago, um cortejo, um gesto mudo simplesmente adorável; os olhos cerrados de uma maneira hipnótica. Seguimos lado a lado. As costas das mãos se esbarrando num convite. As passadas mais aceleradas. Ritmo normal. O coração, acelerado. Todo passo que dou, dou na tua direção. Todo passo que dou é para te ver. No fundo, ela sabe, pensava. Não preciso dizer. Faz parte dessa coisa não dita entre nós. Das conversas silenciosas entre nossos olhares. Quantas conversas dessas nossos olhos têm sem sequer darmos conta? Será que há não ditos que ainda não nos demos conta nessa brincadeira nossa de só se olhar?