Velha infância

Já fazia algum tempo que não passava por esses lados, desde que me mudei para a capital com os meus vinte anos, desde então não vim mais ao interior. O cheiro límpido do ar era uma sensação maravilhosa, que há tempos não sentia...coisa que na cidade grande é extinta, na verdade coisa jamais vista, visto que o ar é completamente maltratado pelas grandes indústrias, estas cujas quais garantiram a minha vida de conforto. De repente, me fez falta...todo esse misto de aromas, que propagam pelos ares, o estrume das vacas se tornaram perfume para mim. Huuuum! Cheiro de eucalipto, de poeira, de verde. Isso tudo era como uma terapia. E ao mesmo tempo que eu tinha essas percepções, dirigia o meu carro, quando a beira da estrada estava ali, a velha porteira...já desgastada pelo tempo, assim como eu. Resolvi parar o carro, e avistei uma placa de “vende-se”, pendurava em uma árvore_ “Estão vendendo a velha fazenda de vovó” _ Suspirei. Me aproximei da velha porteira, porteira que muitas vezes brinquei com meus primos e irmãos, na época ela não era velha, era de madeira nova, vovô tinha feito ela juntamente com meu pai. Meu olhar fixo à porteira, recordava cenas e mais cenas, e é incrível ver como tudo nesta vida se degrada, até a velha porteira. Quem somos nós? Observei que a porteira só estava encostada, resolvi me adentrar mais nas lembranças da fazenda, então com muita dificuldade dos meus já sessenta anos, abri a porteira e me coloquei a caminhar pela estrada de ladrilhos que levavam até a grande casa. Um espanto enorme! Tudo estava destruído, não havia mais os inúmeros pés de laranja e limão que formavam o enorme pomar, que envolvia a casa. O poço que costumávamos brincar, e pescar não existia mais. Exatamente ao centro ainda estava ali, a velha jatobá, com minhas mãos já enrugadas pelo tempo, me coloquei a acaricia-la...e percebi que ainda estavam grafadas ali as iniciais “A e D”, que faziam relação do meu nome e de Diana, minha ex-esposa, casamento deixado para trás, devido a grande falta de tempo...foi se desgastando, assim como a velha porteira! Caminhando em direção ao casarão, era de uma enorme tristeza, é como se as janelas fossem olhos e estavam tristes. A casa agora, não passava de um mausoléu, que só servia para sepultar lembranças de minha velha infância. Olhando a varanda em volta, recordei dos almoços de domingo, em que a família toda se reunia aqui, e vovó com a suas mãos de fada para cozinhar, esticava em uma mesa grande que havia aqui fora, um pano xadrez e colocava os tachos de comida. Era uma fartura imensa, tudo colhido da própria fazenda. É como se eu sentisse neste exato momento o aroma da galinhada que ela preparava com muito amor.

As portas estavam trancafiadas, impedindo que eu explorasse um pouco mais...desta forma pus-me a ir aos fundos, onde havia uma enorme cozinha, local onde saia as gostosuras de minha vó, ali no canto estava o fogão a lenha que ela tanto gostava. Eu gostava também! A gente sempre se reunia ao redor dele, para aquecer do frio e escutar as canções que vovô tocava na sua tão amada viola. Ao mesmo tempo que eu imagino essa cena, é como se eu concretizasse tudo aqui neste momento, ressuscito a maioria dos familiares para fazer parte desta cena, uma lágrima escorre no canto dos meus olhos. Uma grande rajada de vento, faz com que a lembrança se esvanecesse do meu olhar, e me apressa para ir embora devido a um grande temporal que está por vir. Lentamente, vou andando rumo a estrada...observando tudo com grande peso, e tristeza. Passo pela velha porteira, que agora era uma porteira velha, observo meu reflexo no vidro do carro...e ao mesmo tempo que eu era um menino na porteira, agora eu era um velho na porteira. Um velho solitário, que perdera os cabelos devido as inúmeras sessões de quimioterapia e que viu o tempo transcorrer em suas mãos, sem aproveitar o que realmente importa. Momentos estes vividos na fazenda não voltam mais, renunciei à felicidade de uma vida simplória para correr atrás de garoupas na cidade....

Amanda Alda
Enviado por Amanda Alda em 23/03/2020
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