SOBRE DOMINAR O MUNDO
Era o primeiro dia de aula na turma nova, todos já haviam se apresentado e parte da tensão inicial havia sido dissipada, o professor responsável pela recepção dos alunos fora bem sucedido em sua missão, permitira, logo na atividade inicial o nascimento das primeiras amizades daquele grupo e a criação dos primeiros vínculos. Naquele momento, provavelmente nenhum deles imaginou que aqueles diálogos triviais foram sementes e que apenas o tempo forneceria a estas força suficiente para gerar laços banhados em acontecimentos de prazer e de dor.
Ainda éramos adolescentes, vitalidade e energia faziam parte do cotidiano e apesar da faixa etária quase uniforme as personalidades criaram dois polos, uma dicotomia, de um lado a necessidade de reafirmação e do outro a introspecção e a timidez dominavam ou domavam alguns personagens. Um destes estava longe de se enquadrar nesses estereótipos e apesar de ter empatia pelos colegas deste último grupo, era marcado bem mais por ser reservado e resguardado do que tímido e correndo o risco de ser pintado como perverso, fica difícil negar que não havia naquela turma ser humano mais esquisito, era alto e desengonçado, olhos grandes e a boca maior ainda, a voz doía aos ouvidos e o sorriso não incomodava menos. Luiz não estava ali para se vender.
Dias após o início das aulas, um exercício de carreiras fora posto em pauta, todos deveriam expor um plano para seus respectivos futuros enquanto profissionais. A ignorância era tamanha que até mesmo um bola de cristal teria feito trabalho melhor. As respostas poderiam ser divididas em promissoras, convenientes, fantasiosas, deprimentes, eu escrevi “Tanto faz”. A dinâmica se desenvolveu por meio de um sorteio, o aluno teria que ler a resposta do outro colega e então uma colega foi sorteada, ela leu, fez uma pausa e releu em voz alta: “Eu quero dominar o mundo”. As gargalhadas só cessaram depois de um tempo, o meu sorriso não apareceu, analisar a resposta me pareceu mais apropriado e logo após eu ignorei afinal não faz sentido perder tempo com uma resposta tão esdrúxula, não dava pra imaginar aquilo como algo além de um devaneio. Era a resposta do Luiz.
Passados 13 anos deste episódio, marcaram os ex-alunos da turma em uma publicação na rede social, postaram a foto que foi tirada em uma das comemorações da turma, deve ter sido aniversário de alguém na época ou era a festa de despedida, quem vai saber. A maioria dos perfis estavam lá. Um dos professores respondeu: “Estou feliz por passar pelo perfis destes meus ex-alunos e perceber o quanto estão felizes e o quanto estes cresceram e se tornaram excelentes profissionais”. Todos estampavam satisfação e torciam pela saúde do patrão, menos o Luiz. Venci a timidez e puxei assunto: “Olá meu caro, tudo bem? Ainda lembra de mim?” Eu sabia que ele não poderia responder a mensagem mas enviei mesmo assim.
Hoje adulto, o mundo é menos caloroso, os sonhos já não têm o mesmo potencial, e essa maldita publicação me fez lembrar que uma doença cardíaca rara chegou até ele antes mesmo da vida adulta. Luiz era ambicioso e talvez por isso seu espírito ainda teima em estar vivo, nos quereres e nas aspirações, eu era vazio. Sempre estive morto.
Durante aquele período ainda fora possível desenvolver um trabalho com o Luiz, foi nessa oportunidade que ele me confessou o desejo de dominar o mundo. “E por acaso você vai encontrar a cura do câncer? Vai desenvolver pesquisas sobre tecnologia e robótica no Japão?”
_Não seja bobo! Dominar o mundo tem a ver com dominar universos, e dominar universos tem relação com o conhecimento de si mesmo. Cada ser humano é um universo e o meu interesse está em desvendar esse mistério. Atento a esse discurso, só me restou fingir que entendia aquelas palavras, quando na verdade, depois de tanto tempo eu ainda procuro desvendar quais eram as reais intenções e sentimentos do meu colega.