Os cantares de Urunn part 3
III
O vento cortante
A trilha cinzenta levou o garoto e o diabrete até uma parte que nenhum dos cavalos, mesmo os mais fortes, conseguiriam seguir em frente. Um pântano se alastra em frente dos dois. É uma área plana com abundante vegetação que permanece grande parte do tempo inundada. Não se tinha escoamento de água naqueles pântanos, e a luz do sol era totalmente tampada por arvores herbáceas.
—Vamos continuar? Nesse pântano? Tem certeza Dilics? —Disse o garoto.
—Tem ideia melhor menino? Será só um quilometro pelo pântano, depois vamos pegar uma pequena trilha de terra até Belfrot. La vamos falar com o mago azul...se ainda estiver com a cabeça no lugar. —Exclamou o diabrete, olhando para o fundo do pântano, escuro, como se nenhuma luz penetrasse aqueles cantos —Não gosto desse lugar, garoto! Vamos logo. —Sussurrou ele.
—Como assim? Esse mago azul, ele tem as repostas das questões que precisamos, ne? —Perguntou Roonnorn.
—Bom, espero que sim. Sabe, Urunn já foi um mago muito forte, o mais forte da antiga ordem. Depois que ocorreu a grande guerra e os magos foram mortos ou levados em cárcere, Urunn fugiu e se escondeu em Belfrot. Apenas alguns sabem onde ele vive. —explicou Dilics.
—Você disse que ele não estava com a cabeça no lugar, como assim? —perguntou o garoto.
—Quando se fica muito tempo sozinho, garoto, mesmo com os poderes que ele tem, a loucura te encontra e quando ela chega, hã...são poucos os que conseguem se manter de pé. —Disse o diabrete colocando uma mochila nas costas e dando a outra para o elfo.
—Mas ele saberá o que fazer, não é mesmo? Sobre tudo que está acontecendo, meu pai, eu, e aquele homem com capuz...agora que me veio a lembrança...aquele homem! Dilics, aquele homem era o encapuzado que estava controlando as criaturas no dia em que a vila foi atacada —Gritou o garoto.
—Hum...agora está explicado, só assim para aquelas bestas fazerem um ataque ornamentado como aquele...bem que Guinnar tinha razão. —Vamos garoto, temos um caminho para seguir, Urunn te dará todas respostas, relaxe —disse Dilics.
Jogando a outra mochila para o garoto, Dilics se investe perante aquele pântano alagado. O diabrete era pequeno e a água chegara perto de seu pescoço, sua mochila ficara toda molhada e xingamentos foram ouvidos ecoando-se por todos os lados. Diabretes são temperamentais, adoram uma boa cerveja e uma briga em uma final de tarde. Poucos corajosos iam contra suas caldas cortantes como espadas de bronze.
—É impossível andar um quilometro por esse pântano, Dilics — Disse o garoto —Você vai se afogar antes de chegarmos lá —deu uma risada.
—Está brincando com a minha cara, garoto! Não me perturbe ou irei arrancar a sua garganta assim como fiz com aquele urso, não se esqueça daquela cena —Dilics respondeu com nervosidade.
—Eii! Calma pequeno, só estou brincando, tentando quebrar o gelo deste lugar, esse pântano me assusta —Disse Roonnorn levantando sua espada.
—Não brinque com caras que podem mata-lo garoto, nem mesmo esse cheiro de magia vindo de você pode me segurar.
—Como assim? Magia? Não há magia em mim! —gritou —sou apenas um filho de caçador tentando resgatar o meu pai.
—Fale baixo garoto, está ficando louco...olha, eu não sei o que está acontecendo, mas um cheiro forte de magia exala de você. Guinnar sentiu isso nos arredores do reino, mas de primeira achou que não era nada, só depois percebeu que a magia em você era forte. Creio que é por isso que aquele mascarado estava te querendo —disse o diabrete.
—Então quer dizer que sou um mago? —o garoto arregalou os olhos atrás de Dilics.
—Logico que não! Apenas um receptáculo. Olha, a magia está dentro de cada ser no continente, mas tem alguns, como você que tendem a tê-la com mais força nos músculos, sangue e na alma. Magos controlam a magia e a conjuram no espectro da nossa realidade...você é apenas uma bomba de pura energia, pronta para explodir —disse o diabrete dando pequenas risadas.
Roonnorn olhava para trás tentando ver a entrada da onde vieram, nada era visto. O sol brilhava por cima das arvores, o elfo sentia o calor emanando do céu e parando nas pontas finas das folhas a cima de sua cabeça. Uma escuridão se alastrava no pântano deixando tudo aquilo ainda mais aterrorizador. O garoto levantava a sua espada pronto para atacar qualquer coisa que aparecesse em sua frente.
—E como posso controlar essa energia? E por que aquele homem veio atrás de mim? —perguntou o garoto.
Dilics parou por um momento, pensara que estivesse escutado algo no fundo do pântano, uma voz, suave que o chamara para a escuridão. Depois de alguns segundos prestando atenção ao seu redor, voltou a andar.
—Creio que Guinnar mandou que eu o levasse para Urunn para que ele possa te treinar. Vai se tornar pelo menos um aprendiz de mago. O cheiro de magia em você é muito forte, mas por algum motivo fica indo e voltando, por isso não o senti na carroça. Aquele mascarado o sentiu e veio atrás de você. Deve ter achado que era apenas um receptáculo normal e quando chegou perto...o seu cheiro despertou algo. Mas deixa isso pra lá garoto, apenas Urunn saberá o que dê certo você tem.
—E o que eles fazem com receptáculos? Por que isso teria importância?
—Não sabemos ao certo garoto. Antigamente, antes da grande guerra, magos humanos usavam receptáculos élficos para fazer mutações na sua própria raça. Alguns se transformavam em monstros, outros em elfos mais fortes, outros em uma mistura de humano com elfo, algo terrível. Pegam elfos e fazem mutações com os genomas e usam a magia para conseguir isso. E se magos humanos foram vistos, garoto, tenho certeza que esses experimentos voltaram...você seria uma arma poderosa para alguma mutação grande. Por isso aquele mascarado não hesitou de atacar um mago.
Antes que o garoto falasse qualquer palavra um barulho de harpa foi ouvido, vindo do fundo do pântano, chamando atenção dos dois viajantes.
—O que foi isso —perguntou o garoto —sons de arpas.
—Eu não sei, mas fique em alerta, vamos, ande! —gritou Dilics.
O barulho ficava mais alto e mais forte a cada passo dado. Os dois começaram a correr, a água no pescoço de Dilics, pela primeira vez Roonnorn pode vê-lo realmente com medo. O som se abafa, no fundo uma escuridão, e no meio do breu um círculo vermelho começou a chamar atenção do elfo.
—Pare Dilics! O que é aquilo, olhe...é muito lindo.
—Deixa isso, garoto! Corra, não estou gostando nada disso —gritou o diabrete.
De repente algo surgiu no meio da escuridão, uma bola de fogo veio no rumo do garoto, onde ficara hipnotizado segundos antes. Uma rajada de vento passou pelos dois e um estrondo no chão foi ouvido na frente do elfo.
—Um dragão! —gritou Roonnorn.
Dilics se lança para uma galha em uma arvore próxima, tentando sair da visão do dragão. Dragões eram raros naquela região, aquele era verde e pequeno para um destruidor de exércitos, sua couraça era forte como uma armadura, seu corpo era musculoso, pescoço largo e tinha chifres saindo por toda a face, duas asas de cores douradas saiam de suas costas e quatro patas o mantinham firme no chão.
—Quem ousa passar pelos pântanos do dragão Eratres! Eu sou o guardião de Belfrot e matarei todos que ousarem chegar até lá —disse o dragão.
Dilics saltou na água, frente a fera de asas abertas, e se ajoelhou perante Eratres.
—Em paz viemos, meu senhor. Preciso levar esse elfo em segurança até o mestre Urunn, por pedido de Guinnar.
Roonnorn estava atrás de uma arvore, tremendo de medo daquela fera, nunca tinha visto um dragão de tão perto. Se aproximou, mas com a lâmina apontada.
—Guinnar? Hum...faz tempo que não o vejo. Urunn não recebe visitas a muito tempo meu amigo. Prove que é verdade e eu o deixarei ir com esse elfo.
Dilics pegou rapidamente sua mochila encharcada e tirou para fora um amuleto que reluzia cores azul, nítidas na escuridão.
—Hum! —disse o dragão —o sinal de Urunn! Tudo bem diabrete, deixarei que você passe junto com o seu amigo. Mas não quero problemas! No primeiro sinal do mestre eu vou até Belfrot e faço vocês dois em picadinhos.
—Tudo bem grande dragão ascendente. Nós só precisamos de algumas palavras com o mestre —explicou Dilics.
Um ar quente passa pela cabeça do pequeno demônio e finca no tórax do dragão, sem causar danos. Uma flecha! Grita o diabrete.
—Arqueiros! —gritou Eratres.
Dois arqueiros surgiram das sombras. Outra flecha passa zunindo no ouvido de Roonnorn, deixando-o tonto e sem saber da onde vinha.
—A sua esquerda —apontou Dilics ao elfo.
O garoto levantou sua espada e investiu no arqueiro, que se defendeu se abaixando e dando uma cotovelada no rosto do elfo.
—Preste atenção, garoto! —gritou o diabrete.
Dilics percebeu Roonnorn caindo depois da cotovelada e se lançou no rumo do arqueiro, rodopiou no ar e caiu nas costas do infeliz, uma, duas, três fincadas com a calda nas costas e o inimigo caíra como papel molhado em uma chuva de verão.
O dragão fora para cima do outro arqueiro, que correu depois que percebeu a presença da fera. Eratres investiu no ar descendo com velocidade e soltando fogo errante pela boca. De repente todo o pântano estava iluminado pelo fogo de dragão.
—Levante amigo! —disse o diabrete levantando com força o garoto —eles sabem que você está aqui. Precisamos ir, rápido!
—Estou indo, Dilics, minha cabeça dói, acho que levei algum golpe —exclamou o garoto, sentindo dor.
—Nos preocupamos com isso depois, agora corra!
O dragão cuspiu mais um pouco de fogo pelo pântano afim de espantar quem é que estivesse escondido por ali.
—Vão até Urunn, eu me certifico que ninguém o siga —gritou o dragão.
Os dois correram sem olhar para trás. A escuridão já reinava novamente aos redores e em cima das arvores, a noite caíra e com ela um frio veio do Norte. Depois do pântano alagado pegaram uma pequena trilha de terra vermelha até uma montanha bastante rochosa. Chegaram em um paredão de rocha, onde se tinha apenas o sinal de uma porta desenhado, como, de giz.
—Chegamos —disse o diabrete.
—Aqui é Belfrot? —perguntou o garoto.
—Esperava mais de um lugar tão antigo como esse, garoto? Magos não tem luxurias, aprenda isso antes que você se torne um.
Dilics pegou o amuleto que mostrara para o dragão e o enfiou em uma pequena brecha na rocha. A porta desenhada na rocha solida, virou um portão de madeira antiga, o diabrete a empurrou e um corredor escuro se seguia a frente. Os dois andaram alguns metros até que viram algo, um ser, esperando na frente de outro corredor, agora com iluminação feita por fogo azul vivo. O elfo era pequeno, estava sem camisa e com a barba quase se arrastando ao chão, olhos claros como a luz do sol, pele branca como a neve, tinha faixas desenhadas em seu corpo que iam das costas até a nuca, e delas saiam cores vibrantes de laranja, estava descalço e com as bermudas rasgadas. Ele nos olhou de cima a baixo. O garoto e o diabrete ficaram parados, estagnados perante aquela figura misteriosa.
—Estava esperando por vocês —disse Urunn —venham, tenho um banquete em cima da mesa de jantar.
Roonnorn saiu do transe e voltou ao normal. Estava nervoso e aflito para ter as respostas de suas perguntas. O garoto sentia o poder emanando da pele daquele ser.