Herói de que?
“Estava à toa na vida”... ah! não estava não; não mesmo. “O meu amor me chamou”... Chamou não. Eu é que fui. “Pra ver a banda passar / Tocando coisas de amor”. Fui ver a banda passar, mas ela não tocava coisas de amor não, Chico. Era uma banda sem pé nem cabeça, tocava coisas sem amor. A banda tocava coisas de amor naquele seu tempo. Hoje a banda toca coisas de terror. Sem amor, sem compaixão, sem mulheres nas janelas, nem feias nem bonitas. A banda passava e as mulheres caíam, uma com a cabeça quebrada, outra a costela, o nariz, a boca... vi sangue muito sangue... muito sangue... a banda passava e os homens marchavam por cima de cadáveres... cadáveres de mulheres, muitas mulheres, todas as mulheres... a banda passava tocando tremor e terror. A banda virou bando... a banda de amor, bando de terror. Sem amor, sem sentimentos, sem empatia aos outros... o ego no comando, fazendo careta no espelho e achando-se herói... herói de que, meu filho?
A banda passou e a mulher feia ficou fora da janela, caída na rua. A banda passou e as flores murchas sem vidas ficaram, queriam ver a banda tocando coisas de amor... só viram o bando tocando terror.
E você, está olhando o que? Corra, corra depressa, vou te matar sua safada. Quem mandou você espiar a banda do bando? Morraaaa!!!!
Aaaiiii! Aiiii!!!! Sangue escorrendo pelo corpo todo... Não é sangue? Sangue de suor? Suor de sangue? Não é sangue, é suor...
Acorda, acorda! Foi pesadelo, acorda!
Acordei com as mãos molhadas, o corpo molhado e trêmulo. O que aconteceu? Estava sonhando com a banda passando, de repente a banda virou bando... isso é sonho? Não dormi com barriga cheia, estava vazia... não dormi pensando em morte, pensava em amor... e o pesadelo, por quê? Filmes? Novelas? Noticiários? Ou somente imagens refletidas da realidade? Não, não quero essas imagens, não são sincronias...Desespero? Solitário pedido de socorro? A quem? Não, não é um solitário pedido, estamos todas pedindo socorro. SOS Vida! Onde a humanidade errou? Onde erramos? Quem errou? Onde ficaram os heróis? Herói de que, meu filho?
Ontem herói da história? E hoje? Herói de seu próprio ego, herói de pensamento fechado em cyber? Quem vê você, herói? Um mundinho sem mundo, invisível, conectado no desconectado? Hahaha... Conectado ao inexistente, conectado a um mundo fechado onde existe... só você mesmo pensando ser o herói dos heróis. Aí o do mundinho fechado quando abre a janela... a janela ficou fora do tempo, durante muito tempo e... e quebrou. Quebrou. Quebrou vidraça, estrutura e você achou que o limite era o sem limite, um quadrado infinito. Você se esqueceu que quadrados têm limites, quatro pontas, linhas paralelas... paralelas horizontais e verticais. Você escolheu o vertical, ah! é esse, sem limite, infinito. Você se enganou, seu bobo. No vertical a queda é livre e bate de cabeça no seu limite. Você se arrebenta, fica fulo da vida e sai batendo em todos. Em todos? Não, você é covarde, bate em quem você pensa que é menor, aí bate nelas. Menores, elas? Aí seu engano. Por pouco tempo você, naquele mundinho desvirtuado e virtual, achando-se herói, bateu com a cabeça. Achando-se herói. De que?
O herói não quis seguir as linhas paralelas horizontais. Paralelas. Seguiu uma só, pensando ser dele e infinita. Não quis seguir caminhando em linhas paralelas. Com outros, com outras. Despencou, quis o infinito no finito. O infinito não é vazio, é cheio de pontos. Na horizontal não se despenca, o caminho é pra frente, sempre pra frente, devagar se vai, devagar pegamos em mãos, seguimos de mãos dadas, cantando coisas de amor. E você, despencando na vertical, caindo sem mãos paralelas porque você quis seguir só, em linha solo, pensando ser herói. Herói de que, meu filho?
No real, o corpo está sem cabeça. Morto. E no irreal, existe corpo e cabeça?
Se um dia a banda voltar tocando coisas de amor, como será? Quem estará lá?