EXISTE UM MUNDO DENTRO DE MIM.
Dentro de mim existe um mundo. Nesse mundo, tudo está certo como eu planejei. Só os amores que vivi que foram quase. Mas os trabalhos criados e feitos por mim deram certo. As pessoas gostam e respeitam-me. E também existe você. Você com esse cabelo grande e escuro. Sua pele morena e a barba por fazer. Esse sorriso largo e exagerado. Folheando livros, ou fazendo música, ou cozinhando, ou rindo do seu seriado preferido. Existe o sol me acordando as seis da manhã. E é só olhar pro lado e lá está você, todo amassado, com a boca aberta, bafo matinal. Acordo você com carinhos no rosto. Você reclama de estar te acordando sem falar nada, apenas virando pro lado e voltando a dormir. Mesmo assim você acorda e se levanta. No café você lê seu livro enquanto ajeita seu cabelo. Seu telefone toca: é hora de ir.
Existe o se pôr do sol e a lua clareando nosso quarto. Chego do trabalho e lá está você cochilando na cama com seu livro aberto sob o peito. É a coisa mais linda que já vi. Sempre tento não te acordar enquanto tento pegar para guardar o livro, mas você percebe minha presença antes mesmo de eu encostar nas suas mãos. Daí você desperta e conta sobre seu dia, e ouve o meu atentamente, até discutimos sobre os questionamentos que tivemos durante o caminho de casa no ônibus ou no metrô criando conclusões diversas vezes engraçadas ou mesmo sérias.
Nesse meu mundo existem as nossas festas de aniversário e tradições como o Natal e Virada de Ano Novo, onde preparamos um jantar especial. Chamamos nossos amigos mais íntimos, nossas mães que insistem em andar pela casa e dizer “Nós concordamos que este cômodo seria perfeito para ser o quarto do bebê” e nós apenas trocamos de assunto ou imitamos elas empolgadas com as mil ideias. Mal sabem elas que geralmente conversamos sobre isso e já temos planos para num futuro realmente sermos uma família. No fim da noite, ainda sobram um casal de amigos, vocês discutem sobre política, futebol e música, rindo dos penteados malucos dos jogadores, dos discursos falsos dos governantes e da maneira que se vestiam aos quinze anos por causa das bandas preferidas. E eu vou apenas arrumar a cozinha. Por fim, nosso casal de amigos vão embora e finalmente tomamos nosso vinho, que escondi numa gaveta pra mais tarde, sozinhos. O álcool fazendo nossas cabeças ao som da nossa banda preferida. Seu beijo caloroso e carinhoso. Nosso amor transbordando no vinho, na música, nos nossos corpos que se colam e compreendem-se.
E aí eu caio em mim. Sonhando acordada de novo. Olha o tanto de coisa que eu tenho que fazer. Olha a louça suja, o quarto desarrumado. Meu Deus, esqueci o fogo ligado!! E nossa, como eu pude me perder no meu próprio mundo? Que bom que você sabe sobre ele. Assim, se eu for dada como desaparecida ou morta, você saberá exatamente onde me encontrar. Isso se derem ao meu espirito a opção de escolha pra onde ir. Sempre discutia isso com você sobre ter a liberdade de escolha apenas em vida, que essa coisa de depois de morrer ainda é desconhecida pra muitos. E é pra lá que eu vou, pra nossa casinha, com as nossas estantes que guardam os nossos livros, com os nossos discos e nossa TV. Com você, que eu sempre sonhei em ter. É verdade que muitos já passaram pela minha vida mas não fazem tanta falta como você me faz. Eu aprendi muito com eles, não posso negar. Mas estarei mentindo se eu disser que não aprendi nada com você, ouso dizer que era diferente. Com você o aprender era sutil, eram apenas conversas e pesquisas. Ríamos e aprendemos. Chorávamos e aprendemos. Dançávamos, cantávamos, pintávamos. Tudo era um aprendizado sutil. E lindo. E tudo correu conforme devia correr. É a Alma do Mundo trabalhando, diria Paulo Coelho: Maktub. E não demos certo. E nem pra você ficar mais um pouquinho. Acabou e pronto. E eu não vou superar. Não que eu queira, acredito que o que a gente viveu foi única e exclusivamente por nós. Não superarei e nunca olharei com maldade. Você só me fez bem. E ainda faz.