163 - Cento e Sessenta e Três
Chegou aos dias longos sem nada para fazer. Para se distrair abriu a porta da garagem e espalhou na mesa grande os papéis e as tintas. Não tinha jeito nenhum, garantiu-lhe a professora da quarta classe, quarenta anos antes. Ainda assim era a desenhar e a pintar que queria passar o tempo. Há coisas da alma que não se dizem nem se escrevem mas que ele sentiu que poderia contar pintando. E depois de dois ou três esboços riscados aventurou-se a pintar partindo da falta de jeito que tinha em criança para a enorme necessidade de chorar ou de se emocionar sem dar explicações a ninguém. E os papéis pintados eram já alguns. Pendurara-os num fio para irem secando. Viram-nos da rua, pararam para admirar e um senhor saiu do carro e quis saber se os vendia. Não sei quanto valem, confidenciou. Choro e rio a fazê-los e gosto de cores fortes. Muito bem, disse o homem. Se achar justo, levo estes por mil euros e voltarei para ver os que fizer amanhã.