1132-LADRÕES PREMIADOS - Criminal

LADRÕES PREMIADOS

Nicolas é treinador de caraté no “Estúdio de Artes Marciais Kon-do-in”. Forte, porte atlético, como acontece com homens que praticam esta atividade, é também muito atento com o que passa em seu redor.

É solteiro, mora sozinho e apenas uma faxineira vem às sextas-feiras limpar a pequena casa.

Por isso, na tarde quente de outono, ao se aproximar de sua casa, numa quieta rua do bairro Ipiranga, em São Paulo, notou algo de estranho: ao abrir o portão, a porta de entrada da casa estava entreaberta. Não era muita coisa, talvez alguns milímetros, o suficiente para que ele passasse a agir com cautela: entrou e fechou o portão da rua com cuidado, silenciosamente.

“Que estranho! Tenho certeza de que fechei a porta quando saí de manhã. E Hoje nem é dia da faxineira limpar a casa.”—- pensou.

Ao se aproximar, teve certeza de que estava realmente destrancada e entreaberta.

“Ah! Com certeza foi “visitada” por amigos do alheio. E talvez até possam estar ainda dentro da casa”.

Muito sorrateiramente, como se fosse ele mesmo um ladrão, abriu a porta o suficiente para dar uma olhada na sala e para ele próprio passar, com seu corpo de músculos delineados sob a justa camiseta polo.

Silêncio. Pé ante pé, foi adentrando-se: da sala para um corredor que dava acesso aos quartos e levava à copa-cozinha.

No primeiro quarto, de solteiro, que ele usava mais como escritório, notou já a confusão deixada pelos larápios: gavetas abertas, papeis esparramados sobre a escrivaninha e porta de um armário aberta.

Sentiu um cheiro acentuado de corpo humano. Um forte “CC” impregnava o ambiente.

Ouviu ligeiros estalidos no quarto ao lado, seu quarto de dormir. Avançando sem fazer o mínimo ruído, pode ver, escondendo-se contra o portal, os dois marmanjos fuçando nas suas coisas.

“Devem ser profissionais, pois são muito silenciosos”.

Atacou repentinamente, com um grito aterrorizante, atingindo ao mesmo tempo os dois ladrões por trás. Um murro fortíssimo na nuca de um e um por baixo da virilha de outro. Mesmo sendo por trás, atingiu o bandido naquela parte mais sensível do corpo do moreno, que gritou e encolheu-se, numa posição fetal, caindo ao chão.

Nicolas não deu tempo aos dois para reagirem. Novos golpes sobre a cabeça do Número Um, que de zonzo passou ao desmaio. O Número Dois ainda se contorcia no chão, quando outro pé bem aplicado no seu gogó, o deixou paralisado de dor.

Mais rápido que sua ação contra os bandidos que jaziam no chão foram os movimentos do lutador de caratê em puxar os fios de náilon da persiana da janela e amarrar os pulsos de ambos, imobilizando-os.

Notou algum sangue na cabeça do Número um e no braço do Numero Dois.

— Nada de mais, vocês aguentam até serem trancafiados no xilindró.

Telefonou para a polícia, que apareceu num carro gritando sua presença aos quatro cantos do bairro.

Os policiais chegaram, prenderam os marginais e disseram:

— O senhor tem de nos acompanhar à Delegacia de Polícia. Para assinar a queixa.

E lá se foi Nicolas, os dois meliantes e os dois guardas. Os presos numa cabina de segurança, no fundo da camioneta. Os dois guardas nos bancos da frente e ele, o “queixoso”, no banco de trás.

Os policiais conversavam no rádio e os marginais, tendo voltado a si, também conversavam. Mas nem as falas dos policiais nem s dos bandidos foram entendidas por Nicolas.

Já era noite quando chegaram à delegacia. Havia já diversas pessoas esperando serem atendidas pelo delegado.

“A noite nem começou e já está mostrando a violência das ruas”.

Após quarenta minutos mais ou menos, de espera, foram introduzidos na sala do delegado.

Identificações de todos os envolvidos seguidas das perguntas clássicas para um acontecimento pouco corriqueiro na delegacia.

— É a primeira vez que vejo dois ladrões serem abatidos pelo proprietário da residência, sem armas. — disse do Doutor Arruda Silvestre, abrindo o inquérito.

Perguntas vão, respostas vêm.

Os dois meliantes, escolados que são, negaram tudo, no maior caradurismo. Nem sabiam por que tinham sido “agredidos” pelo lutador de caratê.

— Ele prendeu nois e torturou a gente, seu dotôr. A gente num sabe purque.

Depois de umas três horas, Nicolas cansado de toda aquela burocracia legal, foi surpreendido com a decisão do delegado:

— Os dois presos não estavam armados e foram agredidos por um lutador de caratê. Sabemos que pé e mãos de um lutador dessa luta são verdadeiras armas, portando, pode-se considerar que o senhor Nicolas nocauteou os dois a ponto de machucá-los, pelos ferimentos que apresentam.

— Os presos — prosseguiu o delegado — declaram ignorar a causa da agressão. Portanto, têm-se evidências de que o senhor Nicolas agiu com excessiva violência contra dois cidadãos desarmados.

Temos de liberar os dois cidadãos por falta de provas de que estavam roubando a casa do senhor Nicolas, que deverá ser mantido em cela por vinte e quatro horas, a fim de evitar que saia na perseguição dos agredidos – com funestas consequências, é de se esperar.

Nicolas pulou da cadeira e gritou:

— Mas é um absurdo! Prendo os ladrões em minha própria casa, e agora eles são solto e quem fica preso sou eu! Que policia é essa!

— Acalme-se, senhor, ou poderá ser preso por desacato...

— Que desacato, que nada! Isto é uma palhaçada! Quero um advogado!

— O Senhor terá seu advogado. Por enquanto está preso por agressão a dois cidadãos e por desacato a policia.

Nicolas é trancafiado em uma cela da delegacia, junto com outros presos. Está possesso quando chega o Dr. Alvarado, seu amigo advogado.

— Vamos, consegui um habeas corpus. Vamos no meu carro. No caminho você vai me contando o que aconteceu.

E assim foi. O advogado já contava com a esperteza dos meliantes, que usam se defender contra-atacando a vítima.

Qual não foi a surpresa de Nicolas e o Dr. Alvarado ao constatarem que a casa tinha sido novamente visitada pelos bandidos, que, estando o proprietário preso, fizeram a festa: roubaram, vasculharam armários, abriram gavetas, jogaram papeis e objetos no chão.

Haviam voltado à casa da vítima, atrás das grades por algumas horas, para assaltar de verdade.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 13 de outubro de 2019.

Conto “1132 da SÉRIE INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 10/02/2020
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