1129-ÓRFÃOS DA GUERRA 5- OS DOIS CARRINHOS

OS DOIS CARRINHOS

Série “Órfãos da Guerra” – 5ª. parte - FINAL

Ver:

1ª. parte – A Viagem

2ª. parte – Um passaporte para dois

3ª. parte – Encontro com os Parentes

4ª. Parte – O Homem Voador

Antes de entrar no pitoresco da história que me foi contada e para o bom entendimento, tenho de fazer uma digressão sobre a situação da Tchecoslováquia, que eu estava visitando para conhecer os meus parentes.

A Tchecoslováquia foi anexada ao Estado Alemão por Hitler, e assim permaneceu durante todo o decorrer da Segunda Guerra Mundial. No final da guerra, foi “libertada” do poder alemão pelas tropas russas, e passou a ser governada pelos comunistas. Foi nessa época que viajei para lá, para saber como estavam meus parentes, pois a falta de respostas ás minhas mensagens me preocupava bastante.

Portanto, quando estava visitando os tios e tias, e uma infinidade de primos e primas, os comunistas estavam já firmes no poder.

Naquela tarde memorável do segundo dia de minha visita, fiquei conhecendo Ludovik e Ernest, dois primos que ainda mantinham a posse de suas pequenas propriedades rurais, nas quais lutavam para tirar o sustento e pagar os impostos.

Semanalmente eram visitados por “representantes do povo” que coletavam os impostos, sob a forma de bens produzidos- legumes, ovos, frutas, e qualquer outra produção havida nas pequenas chácaras.

Nas passagens dos exércitos alemão e russo pela pequena cidade, houve, como é natural, grande alvoroço, medo, fugas, e até algumas mortes. Tudo isto havia passado, mas a desorganização administrativa era um caos.

Ludovik e Ernest mantinham seus utensílios de trabalho nas suas hortas e pomares bem trancados em barracões, que foram pilhados, pelos soldados, na procura de alimentos.

Assim, os dois ficaram sem seus carrinhos de mão, que lhes faziam muita falta nos trabalhos agrícolas. Quando foi visitado pelo comissário “arrecadador de impostos” Ludovik se queixou da falta do seu carrinho.

— Ah! Vocês já procuraram no galpão de coisas abandonadas?

— Não. Nem sabia da existência deste galpão. — Respondeu Ludovik.

— Vai lá e procura, talvez você ache seu carrinho de mão.

Ludovik falou com o primo Ernest, cujo carrinho também sumira, e lá se foram os dois á procura dos seus pertences sumidos durante a guerra.

Encontraram o depósito. Um senhor de muita idade sentado num banco, ao sol de inverno, era o guardião das chaves do depósito de velharia. Permitiu-lhes a entrada mediante a simples explicação dos dois.

O imenso galpão abrigava um amontoado de móveis, alguns abarrotados de cristais, louças, talheres. Misturados com utensílios diversos, desde muletas até uma pequena máquina de roçar capim.

Procura daqui, procura dali, encontraram os dois carrinhos. Mas em tal estado de destruição que nem se assemelhavam mais os originais. Tiveram até duvidas de qual carrinho seria de Ludovik qual seria o de Ernest.

Queixaram-se com o velho da entrada.

— Ah. Está bem, vão la na prefeitura e reclamem com o comissário. — Disse-lhes o velho.

Lá foram os dois, empurrando seus carrinhos. Na prefeitura, um grande numero de pessoas esperava para falar com o comissário. Esperaram uma, duas, três horas para serem atendidos.

Quando falara com o comissário, este foi mais do que expedito na solução.

— Hiá! Deixem os carrinhos ai nos fundos. Vamos requisitar dois carrinhos novos. Precisamos que vocês estejam bem equipados, para aumento da produção. Voltem dentro de uma semana.

Foram e voltaram dentro de uma semana. O comissário era outro. Quando (após 4 horas de espera) conseguiram falar com ele, tiveram uma surpresa.

— Carrinhos? Que carrinhos?

— Ficaram ai no pátio dos fundos.

— Nein. Não tem carrinho nenhum lá. Tudo que estava lá foi levado para a fundição.

— Mas e os carrinhos novos prometidos pelo comissário na semana passada?

— Hiá! O comissário foi preso. E não tem nenhuma requisição de carrinhos aqui.

— Mas o comissário prometeu...

— Nein. Já lhes disse: o comissário da semana passada, que atendeu vocês, foi preso.

Não houve entendimento. Frederik e Ernest saíram sem carrinhos e sem promessa de novos carrinhos.

Passaram pelo pátio da prefeitura.

— É, aqui não tem mesmo carrinho algum.

— É, nossos carrinhos se foram de vez.

Assim, andando compassadamente, ambos seguiram pela estrada, cientes de que o mundo que haviam conhecido ficara pará trás.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 28 de setembro de 2019.

Conto # 1129 da Série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 07/02/2020
Reeditado em 07/02/2020
Código do texto: T6860724
Classificação de conteúdo: seguro