MILITAR - ESCRITOR PRESENTE X MARIDO "AUSENTE"

Realidade... --- Domingo, 4 de novembro, ministro de D. Pedro II passando em revista as tropas da Escola Militar, cadete tentou quebrar o próprio sabre e gritou: "Infames" A mocidade livre, cortejando um ministro da monarquia!" --- EUCLIDES DA CUNHA, vida militar ativa até demais, mas o centro das atenções é a sua literatura. Um tanto 'apagado' quando aluno da Escola militar da Praia Vermelha, contagiado pelo ardor republicano, expulso em 1888 ao atirar sua espada aos pés do Ministro da Guerra do Império, porém reintegrado com a proclamação da República por Benjamim Constant, novo ministro, seu antigo mestre e guru; na época, a Escola Militar, pelas ideias positivistas, menores disciplinas militares discutidos pelos jovens oficiais, transformou-se num centro de estudos de... matemática, filosofia e letras. Apelidavam-se de 'doutores' - 'dr. General', 'dr. Tenente'. Convidado para escrever no jornal "A província de São Paulo" (futuro "O Estado de São Paulo), onde EUCLIDES DA CUNHA (1866/1909) se celebrizou. --- Na imprensa, censurou Constant que, nomeado ministro, distribuiu cargos a parentes, "Perdeu a áureola, desceu à vulgaridade de um político qualquer". Republicano puro, desiludiu-se com o novo regime e o próprio Constant. --- Confronto entre soldados da jovem República e sertanejos monarquistas liderados pelo beato ANTÔNIO CONSELHEIRO no interior da Bahia, "Os sertões", livro publicado em 1902, misto de ensaio, tratado científico e analise social com caudalosa prosa poética, utilizava teses racistas do chamado "darwinismo social", tese de defesa da superioridade da raça branca e combate à mestiçagem, esta como 'meio do caminho', estranho momento da irracionalidade humana, a história da estupidez (após décadas, a bandeira do nazismo). Estilo naturalista, um pouco parnasianista na descrição da paisagem. Bom, reportagem de guerra feita por um verdadeiro escritor sobreposto a si próprio como jornalista, EUCLIDES DA CUNHA, relato em intimidade menos objetiva e mais intensa, muito além do óbvio e do relato dos eventos. Somente após quatro expedições, o exército dizimou o arraial de Canudos, onde viviam 25 mil pessoas. Este crime foi para ele a gota d'água. Estourada a guerra, considerava os sertanejos inimigos do poder e do progresso republicanos, comparando-os aos camponeses rebeldes que se opuseram à Revolução Francesa, mas mudou de opinião antes o absurdo massacre. Últimos defensores de Canudos, "...quatro apenas: um velho, dois homens e uma criança", frente a 5 mil soldados rugindo raivosamente". Com o sucesso do livro, agora homem da ciência e da arte, ingressou no IHGB e na ABL, passou a colaborar cm revistas e, entre 1904 e 1906, incursionou pela Amazônia. --- "Os sertões", auxílio para tentar compreender um pouco o Brasil de nossos dias - nos sertões do final do século XIX já o desenho das contradições: profundas divisões de classes, suposta elite urbana de origem europeia (direitos de mando consuetudinário) X mural rural miserável e arcaico (presa fácil de seitas religiosas ultraconservadoras e discursos messiânicos). Futuramente, "ressuscitado" Antônio Conselheiro com jagunços armados, distopia de clausura no passado, defesa de "respeito" familiar e valores tradicionais......... Tivéssemos melhor lido e compreendido "Os sertões", nunca haveria um retorno triunfante. O Brasil arcaico-mágico-feroz´cruel gerou os militares, a elite supostamente europeia e Antônio Conselheiro. De novo. não! --- Foi menino. EUCLIDES era órfão sem casa, adolescente poeta, cadete rebelde... Nascido em Cantagalo - RJ, perdeu a mãe com 3 anos, morou com uma tia em Teresópolis, acolhido na fazenda de outra tia, em São Fidélis, e aos 11 casa da avó paterna em Salvador; Rio de Janeiro, 1879, 13 anos, casa de um tio - Colégio Aquino, Benjamim Constant, veterano da Guerra do Paraguai, republicano, positivista fervoroso, ministro da Guerra e de Instrução Pública no governo provisório, como seu... professor de matemática. Neste colégio, leu Fagundes Varela e Castro Alves, poetas românticos, futura influência maior que o positivismo; adolescente, encheu caderno com poemas, mais tarde publicando suas obras na revista editada pelos alunos da Praia Vermelha. No Brasil imperial e escravocrata, pensava num diálogo entre criação literária e conhecimento científico, soldados comprometidos com a República, a abolição e a filosofia positivista, a escola militar apelidada de Tabernáculo da Ciência - positivismo de Comte, evolucionismos e biologismos de Darwin, Spencer e Haeckel: universidade dentro de um quartel.

Pois é... mas rosa linda e perfumada tem espinhos. Em agosto de 1909, invadiu a casa do tenente Dilermando de Assis, amante de sua mulher, acertou dois tiros no rival que revidou e o matou imediatamente.

NOTA DO AUTOR:

"Desejo", seriado televisivo, autora Glória Perez, ambientação no início do século XX, estória de amor baseada em fatos reais, 17 capítulos, maio-junho/1990.

FONTES:

O imprevisto triunfo de Antônio Conselheiro, artigo de José Eduardo Agualusa - 'Os sertões', um clássico, artigo de Ruan de Sousa Gabriel --- 'Dr. Tenente' Euclides da Cunha - Rio, jornal O GLOBO, 6 e 7/7/19.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 31/01/2020
Reeditado em 26/02/2020
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