Raízes musicais

As minhas raízes estruturam o que sou. Lembro de quando, enquanto eu brincava, minha mãe escutava Bebeto, cantando sobre Neguinho, o poeta. Lembro de sua casa de sapê, que no fundo do quintal passa um rio, da cama que é uma tarimba de madeira, do colchão que é uma esteira, e de sua felicidade em ter tanto. Em todas as brincadeiras, ao fundo sempre tocava algo. Às vezes era Beth Carvalho, dizendo que foi infeliz no amor, porque foi gostar de quem não gosta de ninguém, e hoje só lhe restava dor. Às vezes Cássia Eller e Noite Ilustrada, lindamente interpretando Você passa, eu acho graça - de Ataulfo; e eu, dramática como boa escorpiana que sou, me imaginava dizendo aquilo tudo para um futuro amor falido. Ora era levada pela cadência do samba, ora pelo rock nacional, ora pela MPB, ora pelo forró.

Com a banda Ira!, aprendi a ser um poço de sensibilidade; a ver os girassóis pela cidade; a ver pela janela, fumaça, pessoas, a rua, o carro, o céu, o sol e a chuva. Seu Jorge, contava a trama que era se encontrar com sua paixão, porque morando em São Gonçalo você sabe como é… e tinha também o Zé do Caroço, do Morro do Pau da Bandeira. Ana Carolina, me fazia dançar com o beat da beata, que depois que entra não tem como fugir. Kid Abelha, já mostrando que nada eu saberia dessa vida, e sigo sem saber; errada, errante, sempre na estrada, sempre distante. No DVD de casa, que tinha karaokê, minhas músicas preferidas eram: W Brasil; Sonífera Ilha; Menina Veneno; Lança Perfume. E cantar sempre foi bom para mim. Lembro de quando minha tia avó me pegou cantando Skank - Vou deixar; morri de vergonha quando a percebi, e ela, pediu mais, disse que minha voz era doce, e eu só fiz correr com o rosto vermelho. Hoje quando ouço, lembro dela, e canto com doçura para que quem sabe ela possa ouvir. E das vezes que meu avô - apaixonado por modão caipira - levava ao bar dele, violeiros. Eu, tímida, no meu canto, cantava junto e baixinho, a saga das andorinhas que vão e que vem a procura de amor. Ou sobre a longa estrada vida. Ele me puxava para dançar, e eu ia, claro! Um dia cheguei em casa com o violão de uma amiga. Tenho em minha mente o rosto feliz dele ao ver aquilo. Me disse que era para eu aprender logo para tocar para ele. Mas não deu tempo, pois ele preciso descansar das dores da vida. E ainda assim, aprendi! Porque em mim morava a necessidade dessa homenagem. Meus dedos esfolaram de tantas tentativas. Todos os dias um tanto. Um dia deu certo. Cantei e toquei sozinha em meu quarto, para ele, a Boate Azul. Chorei. Sorri. Foi bom! Minha avó e suas serestas. Ainda sei cantar sobre as férias da Índia de Nilton César. As breguices de Reginaldo Rossi e Amado Batista. E sempre puxo Meu primeiro amor de Cascatinha e Inhana, e nós cantamos juntas. Meu pai tinha uma caixa de discos, e a capa do vinil de 1995 dos Mamonas me deixava eufórica. Olhava aqueles peitos sem querer olhar, mas também querendo. Entrava num conflito enorme.

Jorge Aragão, e o barraco que desabou. Zeca, com o bagaço da laranja. Zé Roberto, e o penetra. Fundo de Quintal, reacendendo as minhas origens baianas, afinal, pimenta não pode faltar e feijão sem tempero, é ruim de aturar… Ah! E os Demônios da Garoa; sempre me fazendo chorar de saudade de alguma coisa que não tinha vivido. Martinho, já aflorava meu lado macumbistico. E Wilson das Neves, me ensinava a bater samba no compasso do meu coração - de quadra, de enredo, de roda, de partido alto, na palma da mão. Colocava os hinos da Gaviões da Fiel para tocar no rádio e batia na lata do CD. Sambava com o dengo da minha preguiça, e de pé no chão. Almir Guineto, ainda me ajuda a seguir lutando. Noel, me fez acordar para que eu crescesse sabendo que o mundo me condenaria sem pena, deixando de saber se passo sede ou fome, e é de certo que a filosofia me auxilia a viver. Falamansa, embalava o São João na Bahia, e quando adolescente, no auge da marrentice, fingia não gostar, mas por dentro ardia. A sanfona sentida de Gonzaga arrepiava meu corpo. E me acabava em gargalhadas vendo o povo dançar um rasta chinela. Fui uma criança gigante. E sou uma adulta pequena. Mas minha alma é de música, é isso que importa.

E há ainda tantos nomes a quais deveria lembrar. Tantas letras que caminham comigo por todos esses anos. De tudo que sou, nada é por um acaso. Não é a toa que quando me apaixonei por um garotinho no ensino fundamental, escrevi uma letra com ritmo e tudo. A música está em mim desde sempre. Me ensinou sobre abrir-se para as diversidades do mundo. Sobre amor, traição, amizade, tristeza. Sobre ser grande. Ela é minha motriz. Faz parte dos meus sentimentos, das minhas histórias. Embala minhas emoções e dá força à minha poesia. E parafraseando Jovelina Pérola Negra, não sei o que seria de mim sem o pandeiro, o ganzá e o tamborim. Ai de mim, sem as ondas sonoras das canções que regem a orquestra da minha vida. E deixo dito: quero morrer numa batucada de bamba, na cadência bonita do samba.

GSMG
Enviado por GSMG em 30/01/2020
Reeditado em 25/02/2020
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