IMPLACÁVEL DESTINO


A chuva fina deixava Cristina hesitante em sair, mas ela conservava na lembrança as palavras do pai: “Nunca deixes para amanhã o que podes fazer hoje.” Aquela frase tantas vezes proferida deu-lhe motivação e num impulso espontâneo pegou a chave do carro e aproximou-se do elevador. Já fora de casa, dirigia observando as ruas encharcadas, durante a noite a chuva intensa sem trégua avançou alagando a cidade. Parou diante de uma igreja majestosa que costumava frequentar aos domingos. A imponência da construção octogonal do templo chamava atenção de todos. No interior do local, Cristina, solitária, quietinha no banco percorria com o olhar o altar e o púlpito decorados com extravagância, recobertos por espirais, flores e anjinhos de cabelos encaracolados, o teto lindamente pintado com imagens sacras de tirar o fôlego. Aquele lugar silencioso e belo trouxe-lhe paz. De olhos fechados a moça orou, pedindo a Deus forças para resolver a situação que iria enfrentar em algumas horas. Depois de 5 anos de namoro seu noivo Guilherme havia recebido um convite para assumir um cargo na universidade de outra cidade, diante disso, resolveram não continuar mais com a relação. Nem tanto embaraçoso seria se Guilherme não tivesse revelado que estava apaixonado por uma amiga de infância desconhecida de Cristina, com a qual estava mantendo contato à distância, há 2 anos , sem que nada tivesse dita à noiva. Os encontros fortuitos haviam acontecido por ocasião das férias de Joselita, fato totalmente ignorado por Cristina. Agora, Guilherme havia decidido trazer sua amada para morar com ele, assim iniciar uma nova vida profissional e amorosa em outra cidade. A despedida foi no apartamento de Guilherme, rapaz de olhos expressivos, um sorriso contagiante, personalidade forte, assumindo a traição sem muito constrangimento. Cristina diz: - Estás realmente decidido? Ele responde: - Sim, além do mais estou pedindo que me perdoe por essa decepção que lhe causei, mas sabes que há muito tempo não estávamos bem na nossa relação. Cristina, diz: - De fato, não estávamos e por esta razão acho que não estou sofrendo tanto, veja surpreendentemente mesmo você tendo me traído, estamos aqui nos falando civilizadamente. Acabemos logo com isso. Deixe-me abraça-lo!

Os dias, meses e alguns anos se passaram. A ex-noiva de Guilherme, superou a desilusão, empenhando-se cada vez mais em seu trabalho dedicado ao ensino da língua inglesa em várias escolas privadas da sua cidade. Órfã de mãe morava com o pai, desde sempre. Dr. Sérgio Prado,, médico nefrologista muito conceituado tinha um convívio tranquilo com a filha, que conhecia bem sua personalidade, alegre, otimista, questionador, mas estava visivelmente afetada dia após dia o que trouxe à Cristina um grande desconforto e preocupação. Decidiu falar com o pai ao vê-lo chegar do hospital mais uma vez apático. Cristina, questiona: - Pai, o que está se passando com você, anda inquieto, triste, pode dizer-me algo a respeito? Dr. Sérgio responde: - Cristina, há alguns meses venho tratando de uma paciente pela qual tenho muito carinho e preocupação, como todos os meus pacientes. Porém essa mulher é uma daquelas pessoas que o destino impactante e cruel a dilacerou física e emocionalmente, o marido sofreu um acidente grave, fraturou a coluna que o deixou paralítico. Ela está com uma doença renal crônica e precisa de um transplante de rim, não sei quanto tempo isso irá demorar na lista de espera, sua qualidade de vida está péssima, muito comprometida. Essa paciente vem sempre acompanhada pelos pais, que assumem toda a responsabilidade por ela, pelo fato da impossibilidade física do marido. Cristina diz: - Que lástima! Infelizmente coisas assim acontecem e muitas vezes não somos capazes de mudar, embora queiramos fazê-lo.

Mas as conversas sobre o assunto não pararam por aí e depois de muitas argumentações e considerações, Cristina resolve ser uma doadora anônima. Dr. Sérgio nem por um momento ficou surpreso com a extrema generosidade da filha, pois conhecia bem sua essência acolhedora, altruísta e bondosa. Ela fez tudo pela tristeza que consumia seu pai, por ela mesma, por alguém com direto a viver, esperando por um milagre, a lista de espera era infinita. Tudo aconteceu de acordo com as expectativas. Todas as necessidades para o procedimento cirúrgico foram cobertas. Depois de poucos meses definitivamente a paciente transplantada iria voltar para casa, para recuperar-se da cirurgia, pais e marido desta vez viriam pegá-la no hospital. A bondosa filha do médico sugere que por ocasião da alta no hospital dada à paciente, ela pudesse estar do lado de fora no corredor, para ver uma única vez o rosto de alguém que tinha uma parte dela. Assim foi feito. Cristina sentou-se em uma salinha próxima ao quarto, lugar pelo qual todos passariam, ela acharia um meio de não ser vista completamente. Alguns minutos depois saem do quarto, Dr. Sérgio com semblante atônito, por ter reconhecido seu quase genro , Joselita: a paciente, seus pais e seu marido Guilherme em uma cadeira de rodas , todos apressados, pois longa seria a viagem de volta até a cidade onde o casal residia.



 

Verdana Verdannis
Enviado por Verdana Verdannis em 24/01/2020
Reeditado em 23/04/2024
Código do texto: T6849134
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