O marasmo antes do recomeço

Ela não tinha vindo, mais uma vez. Enfim, nada fora do normal. No celular só mais uma desculpa e um tanto mais de conversa fiada. Fingi me interessar. Fingi acreditar na mentira e deixei o telefone de lado. Olhei no relógio do computador me perguntei o que faria com o tempo que ainda não havia perdido esperando ela. Pensei em sair, e para isso ainda estava cedo.

Catei o celular e liguei para Tamires.

Ela atendeu quase imediatamente.

- Oi? – Perguntou.

- Tás por onde? – Falei diretamente.

- Tô saindo de casa. Indo pro cafofo.

- Acho que vou passar por lá.

- Você não tinha sei lá o que pra fazer? Com sei lá quem?

- Não tenho mais.

- Então vem, ora. Melhor que ficar em casa. Mas não vou ficar muito tempo por lá.

- Não tem problema. Estou indo.

Desliguei e fui até o banheiro. Me despi e conferi as falhas na minha barba diante do espelho e fiquei me olhando, desanimado. Eu não estava me sentindo bem comigo mesmo já há um tempo.

Tomei um banho rápido e vesti a primeira roupa que encontrei no armário.

Peguei o celular e pedi um UBER. Olhei o preço, e resolvi que valia a pena pagar 25 reais só pra sair do meu quarto e tomar algumas cervejas do outro lado da cidade. O carro não demorou a chegar. Confirmei o meu nome para o motorista e entrei. O motorista puxou assunto umas duas vezes, mas eu não estava exatamente num bom humor para conversar. Me resumi apenas a concordar com o que ele dizia, sem dar qualquer opinião sobre os assuntos que ele tentava abordar.

Desci na Praça do Carmo, na beira mar de Olinda. Sempre gostei do cheiro de maresia, e me sentia muito bem ali. Paguei o motorista e fui andando até o Cosmo Bar, o qual Tamires chamava carinhosamente de Cafofo.

Andei pelo bar vazio e fui até as mesas da parte de trás.

Tamires já estava lá. Sentada com alguns amigos.

Mari, a dona do bar e Gui, um dos garçons, estavam sentados com Tamires e duas de suas amigas... Sabrina e Camila. Ítalo estava em pé, fumando um cigarro de palha.

Cumprimentei a todos e me sentei na ponta da mesa. Todos estavam jogando algum tipo de jogo de palavras que eu não conseguia entender muito bem.

- Quer um Chopp, Rômulo? – Perguntou Mari.

- Sim, claro. – Respondi.

Gui se levantou e foi para dentro do bar buscar a minha bebida, e as meninas continuaram jogando.

Ítalo se sentou ao meu lado e se pôs a enrolar um baseado.

- Tá foda de encontrar maconha, mano. Tá todo mundo de baixa. – Ele disse.

- É verdade. E acho que vai demorar um pouco a voltar ao normal.

- Esse é um dos últimos que eu tenho. Agora só vai sobrar prensado pra comprar.

Concordei com a cabeça e ele voltou a se concentrar no que estava fazendo.

Gui se aproximou com o meu Chopp e deixou o copo na minha mesa. Tomei um gole. Estava gelado. Era muito bom.

No meio do jogo, Mari se enrolou com as palavras e perdeu a rodada. Todos caíram na risada. Eu ri, por mais que não tivesse entendido muito bem o que tinha acontecido.

Enfim. Eu gostava de estar ali.

2

Eu estava perdendo feio na sinuca, e tentava me concentrar pra acertar pelo menos mais uma bola. Tamires se aproximou e tomou um gole do meu Chopp.

- Você está bem? – Perguntou.

- Estou sim.

- Não parece.

- É. Estou tentando ficar bem.

Mordi os meus lábios e me concentrei pra dar uma tacada.

Acertei em cheio na bola que eu queria acertar, mas ela foi com muita força em direção a caçapa e não entrou. Larguei um palavrão e tomei um gole de Chopp pra esquecer o meu azar.

- Quem era a menina que você ia ver hoje?

- Eu já te falei sobre ela. Mas não vale a pena falar mais sobre isso.

- Acho que eu sei de quem se trata.

- Eu me surpreenderia se você não soubesse.

Tamires riu e segurou no meu braço.

- Você me conta quase tudo mesmo.

O meu adversário encaçapou as duas bolas restantes, me cumprimentou e deixou o taco sobre a mesa. Fiz o mesmo e me sentei na muretinha com Tamires.

- Daqui a pouco eu vou embora. – Ela disse.

- Vai ver o Rasta?

- Sim. É.

Tamires estava apaixonada por ele. Eu sequer o conhecia. Tamires e os amigos dela o chamavam de Hunter, mas eu me recusava a chama-lo assim, talvez por implicância, ou sei lá. Não era muito dado a anglicismos. Enfim. O nome real do cara era Irapuã, o que não ajudava muito, então eu sempre o chamava de Rasta, pelos dreads rastafári que ele usava. Eu sabia que ela gostava mais dele do que se sentia confortável em assumir para mim, e que talvez estivesse incomodada com o nível da relação que eles tinham. Por isso ela sempre ficava meio inquieta quando ia encontra-lo. Me pergunto se ele valia aquilo tudo mesmo.

Dei um beijo no rosto de Tamires e falei.

- Vai lá, bebê. Tenha juízo.

Ela sorriu. E perguntou.

- Você não se incomoda de ficar aqui sem mim? Não quer vir?

- Está tudo certo. Depois vou encontrar um amigo que está vindo pra cá.

Tamires se levantou e caminhou para fora do bar.

Voltei pra a mesa e Ítalo, Camila, Sabrina e Mari continuavam com o seu jogo, regado à cerveja e cachaça. A eles tinha se juntado um francês, loiro e magrelo, que falava um português muito bom e tinha apenas um leve sotaque. Eu sentia que Sabrina não ia lá muito com a minha cara, e Camila era indiferente. Ítalo era gentil ou anestesiado demais para demonstrar algum incômodo com a minha presença e Mari, eu acho que já havia se acostumado comigo por ali.

Tomei mais um Chopp e pedi a conta. Paguei e disse aos presentes que iria dar uma volta para encontrar com um amigo. Era mentira. Mas eu achei que precisava bater perna, muito mais do que estar sentado e bebendo pra ver o tempo passar.

Andei até a beira mar e olhei para a orla mal iluminada. Quis não estar sozinho, mas não conseguia imaginar alguém cuja companhia fosse me fazer bem naquele momento. Talvez eu precisasse beber mais. Ainda era cedo para voltar pra casa.

3

O telefone tocou. Peguei o aparelho no bolso e vi o número dela aparecendo. Já não o tinha mais na agenda, mas infelizmente ainda estava gravado na minha memória. E me veio um enjoo, junto com a sensação de ter sido repetidamente feito de otário por uma pessoa e estar sempre disposto a ser feito novamente. Se fosse pra resumir era aquilo mesmo... Mesmo que fosse chato de admitir.

Talvez essa fosse a essência de praticamente todas as minhas histórias. Uma sucessão de frustrações que só aconteciam pelo meu excesso de credulidade nas pessoas com quem me envolvia. Algo que eu só percebi há muito pouco. E sentia que essa nova percepção sobre mim mesmo tinha me tornado uma pessoa menos feliz, se é que era possível. Aquela ligação só me fez com que eu me sentisse pior. E pior eu estava. Mas era cedo. Nada era tão ruim que não pudesse piorar.

Atravessei novamente em direção à praça e subi para os quatro cantos. Por um acaso... um bom acaso encontrei companhia no caminho. Nagara estava com algumas pessoas, bebendo Axé e se arrastando pela noite. Percebi Lucas, seu irmão e Nohara, sua ex namorada, entre outros. Por um momento me perguntei como eles conseguiam estar na presença um do outro, tendo acabado um relacionamento há tão pouco tempo, algo que para mim, não seria muito confortável.

Conversamos todos por um tempo, e eu percebi que talvez para ela, não fosse assim tão tranquilo estar ao redor dele. Mas Nagara parecia mais preocupado com as indulgências que sentia necessidade de viver, do que no impacto que elas causavam. Talvez fosse a juventude. Talvez fosse o seu jeito mesmo.

Senti inveja do seu entusiasmo e de sua tranquilidade em ser como era, ali, exposto aos elementos, sem pensar no dia de amanhã.

4

Nohara tinha o sorriso triste mais bonito que eu tinha visto nos últimos tempos. Mas as lágrimas não lhe faziam muito bem a aparência. Talvez o carnaval lhe consertasse isso e lhe trouxesse o sorriso genuíno de volta. Faltava pouco mais de um mês... então era questão de tempo.

O curso da noite tinha me jogado completamente fora do esperado. O álcool tinha me trazido a sensação de sangue quente subindo pelas veias do meu rosto e eu sabia que ainda podia beber mais um pouco antes de começar a falar incontrolavelmente, sobre coisas que me arrependeria de falar se estivesse sóbrio. Por isso bebi, mas não com tanto entusiasmo quanto eles.

Nagara desapareceu com uma mulher que eu não cheguei a julgar interessante o suficiente para reparar e Nohara não conseguiu mais esconder a tristeza que lhe pesava nos olhos. Tomei mais um gole de cerveja e me levantei. Ela enxugou os olhos e sorriu, como se tivesse obrigação de sorrir, e nos despedimos. Acenei para todos da mesa e segui subindo pelo meu caminho original.

Peguei o celular e percebi que havia chegado duas mensagens. Reconheci o número e apaguei antes mesmo de ler.

Já havia perdido tempo demais com aquilo. Era hora de voltar a perder tempo com outras coisas... coisas que fizessem pelo menos algum sentido, além da cama, além da carne, além das noites que eu perdi pensando se ela estava pensando, ou se sequer pensava em se deixar ficar comigo. Enfim. Até pensar nisso era perda de tempo.

5

Bebi ainda três cervejas num bar de esquina, perto dos quatro cantos antes de me entediar e ir embora.

Cheguei em casa e fui direto para o chuveiro. Larguei minha roupa num canto do banheiro e fiquei debaixo da água quente por cerca de quinze minutos. A embriaguez já tinha reduzido bastante quando saí do banho e me senti um pouco mais satisfeito do que estava no começo da noite. Enxuguei-me, vesti uma cueca e me joguei na cama, com o ventilador ligado no máximo sobre mim.

Tamires ligou logo depois.

- Alô – Atendi.

- Onde você tá? – Perguntou.

- Estou em casa.

- Já?

- É. Eu estava cansado.

- Você está bem?

- Estou melhor. E você?

- Não sei dizer. Aconteceram algumas coisas.

- Que coisas?

- Fiquei com um amigo de Hunter. Não sei se foi uma decisão muito inteligente.

- Foi ruim?

- Não. Mas não sei muito o que pensar sobre isso. Só estou cansada da inconstância dele, sabe? Ele vive bêbado, não tem muito pouso na vida. Vive na rua a semana toda. Quando pára lá em casa é por um ou dois dias. Não sei se quero isso pra minha vida. É muito trabalho.

- Eu te entendo. Você está na rua ainda?

- Estou voltando pro cafofo. Acho que vou pra casa daqui a pouco.

- Me avisa quando tiver em casa. Fica bem.

- Tá certo. Boa noite.

- Boa noite.

Desliguei.

Pensei nos meus rabiscos largados incompletos no computador.

Ficariam assim por um tempo ainda. Afinal eu não tinha dentro de mim qualquer coisa que pudesse colocar no papel.

Imaginei se o telefone voltaria a tocar. Esperei sinceramente que não. Eu precisava viver alguma coisa nova, mas pra isso eu tinha um tanto de passado ainda para deixar para trás.

Faltava só um mês para o carnaval.

Era agradável pensar nisso.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 22/01/2020
Reeditado em 22/01/2020
Código do texto: T6847923
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