Chá gelado (Amores Voláteis)

Caio e Lara eram nada parecidos.

Mas se o Eduardo e a Mônica, um casal improvável que provou não haver razão nas coisas feitas pelo coração conseguiu se acertar, porque não tentar?

Ele jurava que o beijo dela era viciante.

Ela escolhia acreditar no que era conveniente e ignorar os sinais de alerta do seu anjo da guarda, aquele que fora escalado pelo Universo para tratar de assuntos do coração. Sempre que o anjo reclamava muito da função que lhe deram, Lara o mandava calar a boca com uma dose de 1 mg de Alprazolan.

Lara cursava mestrado e morava sozinha, e Caio se dizia um homem maduro porque saiu da casa dos pais para estudar em outra cidade, quando passou no vestibular.

Caio pagava suas contas em dia e comprava chá gelado todo início de mês. Um baseado para ajudar a dormir, dois travesseiros embolorados, tralhas de acampamento, um ventilador pequeno e uma máquina de lavar. Uma suíte alugada em um apartamento compartilhado.

Lara dirigia na rodovia e era divorciada. Tomava antidepressivos e não gostava de chá gelado. Corria 4 vezes por semana, mantinha 5 cadernos de anotações diversas e tinha todos os livros do seu escritor preferido.

Ela tinha tatuagem.

Ele tinha bom gosto para música.

Conheceram-se em um aplicativo virtual e conversaram por dois dias antes do primeiro encontro, em um domingo à noite. Havia uma sessão de meditação coletiva em um salão de práticas meditativas no centro da cidade, e ela o convidou.

Caio aceitou.

Lara ficou surpresa.

Caio chegou atrasado, vestindo uma camiseta com a estampa de Lord Ganesha. Será que ele queria impressionar? Todo mundo deveria tentar dar o melhor de si mesmo em um primeiro encontro. Lara reconheceu o esforço de Caio para demonstrar interesse.

Ela não conseguiu meditar. Ele bateu a cabeça em uma viga do teto do mezanino, e isso a desanimou por algum motivo. Abraçaram-se ao final da sessão. Ele ofereceu seu melhor sorriso e ela ficou na ponta dos pés.

O primeiro beijo aconteceu em um segundo encontro. Muito molhado e com excesso de língua, na opinião de Lara. Mas o perfume dele era perigoso.

Caio queria namorar.

Lara ignorou sua intuição e mudou seu perfil na internet. Relacionamento sério.

Ele pedia desculpas por tudo. Ela era impaciente. Lara dizia que Caio era doce demais. Ele a elogiava o tempo todo. Para ela as palavras dele começaram a ficar banais.

Caio disse que a amava.

Lara ignorou sua intuição e respondeu na mesma medida. Será que ela o amava realmente?

Ele tentava desesperadamente ser perfeito. Ela queria ter uma briga só para sentir aquela saudade doída e fazer as pazes. Para Caio, tudo era novidade. Estava em seu primeiro relacionamento maduro e não se sentia muito à vontade. Por isso pedia desculpas. E ela querendo arrumar confusão. Ou será que só queria acelerar o coração?

Lara questionava o interesse de Caio por ela. Duvidava do seu amor intenso e da gratidão que saia de sua boca. Duvidava do apelido que Caio deu a ela. Mas ele parecia saber muito bem o que queria. Será que Lara era uma escolha consciente? Talvez ela fizesse parte de um plano maior. Suas amigas lhe diziam que ela deveria se entregar. Duvidar de que? Caio fazia por merecer...

E então ela conseguiu o que queria. A primeira discussão mostrou que Caio não lidava bem com críticas. Ela tentou faze-lo entender que pagar as próprias contas e morar longe dos pais não lhe garantia o amadurecimento emocional que ele julgava ter. Reconciliaram-se rapidamente. Caio dizia não ser rancoroso, mas só ele sabia o que realmente guardava dentro de si.

As vezes Lara explodia por sentir-se sozinha mesmo estando acompanhada. Caio ignorava deliberadamente o passado da namorada. Lara acreditava que para conhecê-la, era preciso que ele se interessasse pela sua vida, pela sua saúde, por suas manias e neuroses, mas ele nada lhe perguntava. Então Lara fazia perguntas e pedia que Caio lhe contasse alguma história pessoal. Ele confessou ser uma pessoa manipuladora. Lara não prestou atenção.

Ele reclamava do lugar onde morava. Lara o incentivou a se mudar. Caio era bagunceiro e tinha uma natureza solitária. Dividir um apartamento com desconhecidos não lhe fazia bem. Depois de um tempo, Caio encontrou um canto só seu e se acalmou em sua própria confusão.

Lara terminou o mestrado e voltou a trabalhar. Eles se encontravam todo fim de semana e saiam para comer. Caio adorava dormir na cama dela. Lara não entendia porque ele relutava tanto em comprar travesseiros novos. Ele parecia não ter segredos, mas Lara não acreditava em conto de fadas.

Caio dizia que Lara era a mulher da sua vida. Ele lhe dava chocolate e fazia ligações diárias. Começou a chamar o cachorro dela de "filho" e a carregá-lo no colo. As vezes ela o repelia, por achar que o amor não se desenvolve em poucos meses. Ao menos era assim que ela aprendeu a pensar.

Caio pediu para amá-la.

Ela deixou.

Lara pediu que ele não desistisse dela.

Ele prometeu.

Por duas vezes ele perdeu o emprego. Por muitas vezes ele mentiu para ela. Caio estava triste e seu olhar nada dizia. O vazio a assustou. Lara se preocupou com os "fracassos" dele. Olhava em seus olhos e exigia sinceridade. Ele jurou que não fumava mais.

Ela o apresentou à terapia e o ensinou a ser mais confiante. Ele aprendeu a conversar melhor, a gostar mais de si mesmo e a despi-la como ela desejava. Gostavam muito um do outro. Ao lado dela Caio reclamava menos da vida. Ao lado dele, Lara gargalhava com mais frequência.

Ele adorava fazer café da manhã e comprar manteiga de leite para ela. Lara engordou três quilos e Caio comprou roupas novas para si. Todos os meses ele a lembrava do aniversário de namoro, mas a solidão não saía do lado dela. O problema era ela?

Caio não sabia o que era cumplicidade e Lara queria ensinar. Caio não sabia a diferença entre amizade e coleguismo e Lara queria ensinar. Caio não sabia fazer planos e Lara queria ensinar. Era imperioso que ele aprendesse a planejar, já que a mulher da vida dele sofria de ansiedade generalizada. Apreender pelo bem do outro é amar.

Caio se recusou a aprender e desistiu de Lara. Ele não cumpriu sua promessa. A banalidade de suas palavras começou a fazer sentido. Lara acreditava que relacionar-se era um ato de coragem diária, mas ele mostrou ser apenas um rapaz que ataca com crueldade quando é ferido em sua vaidade. Caio confessou uma de suas mentiras. Lara só queria confiar nele e tentar de novo. Ele a fez se sentir culpada por todas as mentiras que ele contou.

O que foi feito de todo o amor que ele dizia sentir? Evaporou-se? Nunca existiu?

Caio estava vazio.

Lara ficou de luto.

Caio continuou a comprar chá gelado e a se achar muito maduro.

@lorydmacedo