A BOA AÇÃO
Carlos saiu cedo de casa. Estava cansado, com sono e cheio de dores na lombar. Muito de sua dor era devido a sua barriga avantajada, mas o cansaço e o sono se devia a discussão que teve com sua esposa na noite anterior. Ela ordenou que ele saísse cedo para ir ao mercado e assim ele fez.
Ele ligou o carro reclamando. Reclamou dos sinais fechados. Das crianças indo para a escola. Das idosas nas praças. E principalmente reclamou de sua vida.
Carlos entrou no maldito mercado para fazer as malditas compras. Pegou um carrinho, percorreu com raiva cada fileira e quando já estava se dirigindo ao caixa, um garotinho se aproximou. Carlos ignorou o garoto durante um tempo e não deu a minima para o que o garoto dizia. Quando decidiu olhar viu uma criança morena, de cabelos crespos e olhar tristonho. Um frio tomou conta da barriga de Carlos e ele se pôs a ouvir.
-- Tio, compra esse biscoito pra mim?
Carlos respirou fundo, olhou para o céu e sorriu.
-- Vai lá, escolhe outro que você quiser.
O garotinho voltou com outro biscoito. Carlos colocou os dois pacotes no carrinho e os dois começaram a conversar.
-- Meu nome é Gabriel Leitão, mas me chamam de foguinho. Moro em uma comunidade perto daqui.
-- Quantos anos você tem?
-- Tenho 11 anos.
-- Você mora com quem?
-- Com a minha mãe e minha irmã.
-- Onde elas estão?
-- Minha mãe saiu pra procurar trabalho. Minha irmã mais velha saiu com o namorado ontem e não voltou ainda.
-- E você deveria estar na escola, não?
-- Nunca estudei, tio.
Depois de ouvir aquela história, Carlos deixou o carrinho sob os cuidados do jovem e saiu da fila. Quando voltou estava sem dores, sorridente e mais tranquilo. Carlos pôs no carrinho mais alguns biscoitos, pão, leite e iogurtes. O garoto riu com os olhos brilhando.
-- Obrigado tio, mas... Posso trocar isso tudo por arroz, feijão e alguns ovos?
As pernas de Carlos tremeram. Os olhos encheram de lágrimas. Imediatamente Carlos pegou um outro carrinho e saiu com o garoto da fila. Parecia um programa de pai e filho. Os dois percorreram os corredores rindo e brincando. Pegaram o arroz, o feijão, os ovos e outras coisas básicas. Era pouca coisa na visão de Carlos, mas para Gabriel aquilo tudo era de uma grandeza imensurável.
Passaram as compras no caixa, empacotaram tudo e saíram felizes empurrando o carrinho. Carlos colocou as compras no carro e perguntou se poderia levá-lo em casa.
-- É melhor não tio. eu darei um jeito.
-- Você não vai conseguir carregar as bolsas sozinho.
Gabriel sorriu e aceitou a carona. Disse que nunca tinha se sentido tão feliz antes. Carlos estava feliz. Quando chegaram na entrada da comunidade os homens do tráfico mandaram ele parar. Carlos parou, abaixou o vidro e foi obrigado a explicar a situação. Um dos homens ouviu tudo em silêncio e depois mandou Carlos descer.
-- Esta de sacanagem comigo? -- Perguntou o traficante.
-- Não. Pergunte ao... Ué... Cadê ele?
-- Ele quem tio cê é loko? -- Gritou outro traficante.
Carlos ficou desesperado. As armas se voltaram para ele. Alguns dos traficantes começaram a proferir acusações. Carlos começou a retpetir o nome de Gabriel.
-- É x-9 patrão. Mata logo!
-- É alemão!
Carlos começou a chorar. Onde estava Gabriel? Um dos traficantes deu uma coronhada em sua cabeça. Carlos caiu de quatro, tonto e repetindo o nome do garoto. Sete fuzis estavam apontados para sua cabeça.
-- Pela ultima vez mermão, quem é esse Gabriel?
Carlos lembrou.
-- O foguinho!
Os traficantes riram alto.
-- Foguinho morreu ontem.
Carlos arregalou os olhos enquanto tentava ver o céu, mas só viu as armas dos traficantes.