O Incrível Bartô II
Eram dez horas da manhã. Na residência dos Nogueira reinava a maior calmaria. Os pais de Tâmara, a filha mais velha, estavam arrumando as tralhas para irem passar o final de semana na casa de praia. Mas a calmaria pouco durou. Foi quebrada após uma ligação telefônica da filha, aos prantos para a sua mãe, que, sem entender o motivo da choradeira, perguntava insistentemente o que havia acontecido. Quanto mais a mãe perguntava sobre a razão do choro, mas dava para perceber que a menina entremeava frenéticos soluços, acompanhados de caudaloso rio de lágrimas. Até que, com o passar do tempo, já mais calma transmitiu a funesta notícia do passamento de Bartô.
Como eu já havia comentado no conto anterior, Bartô era um coelho que queria ser gente. Dormia na cama com sua dona, andava o dia todo dentro de casa seguindo os passos dela, só satisfazia as suas necessidades na gaiola apropriada e não podia ver alguém comendo biscoito ou amendoim que, avidamente o seguia, requisitando a sua porção; e não sossegava enquanto não fosse abastecido. O estimado animalzinho era a paixão e o “cão” de guarda da menina. Como ela mora sozinha em seu apartamento, era, também, sua inseparável companhia, a qual vai levar alguns dias para preencher o vazio deixado.
Até prova em contrário, atribuímos à avançada idade a suspeita de sua morte. Já devia ser um ancião. Não sei se há base científica no que ouvi falar: que para cada ano do coelho, do gato e similares, equivale a sete anos de vida. Se verdadeira for essa afirmativa, como Bartô já chegou adulto e há sete anos, ou seja - há quarenta e nove anos - convivia com ela, fica a suspeita da morte por velhice.
Preocupados com o apego que a menina nutria pelo Bartô, os pais seguiram imediatamente para o apartamento da filha para tentar consolar-lhe e discutirem o destino que dariam ao falecido. Houve grande interrogação porque Tâmara exigia um enterro digno para o animalzinho: Ela não admitia jogar o falecido na lixeira, porque além de ser anti-higiênico e falta de educação sanitária, também não passava em sua mente saber que o animal ia ser devorado por cachorros, urubus, etc. Surgiu, então, uma grande dúvida: onde enterrar o Bartô? Após longa conversa entre mãe e filha, a escolha recaiu sobre envolvê-lo num plástico, colocá-lo numa caixa e enterrá-lo no quintal da casa de praia. O pai, que até esse momento era só espectador da querela fúnebre, entrou na conversa e contestou. - Na casa de praia não! O quintal é pequeno e possui poço artesiano. Enterrar no quintal da casa esse bicho que, ninguém sabe ao certo a causa morte, pode contaminar o lençol freático. Descartada, então, a sugestão da casa de praia, o pai sugeriu o cemitério de animais, onde o coelho fosse cremado e, o recipiente contendo as cinzas, fosse colocado na estante. Assim procedendo a filha não perderia o contato com seu bichinho de estimação. Quando sentisse saudade dele, ela fitaria, com olhar profundo, o recipiente e o beijaria como se estivesse beijando o falecido animal. Sugestão essa prontamente aceita. Após uma ligação telefônica para o cemitério, rapidamente chegou o preposto da referida instituição ao apartamento de Tâmara. A menina que em momento algum havia parado de chorar. Com o traslado de Bartô para que fosse cumprida a cremação, derreteu-se, ainda mais, em copiosos prantos. Os pais, que no momento participavam do velório, perceberam a grande tristeza em que a filha estava mergulhada pela perda do animal. Para amenizar o seu pesar assumiram o pagamento de todas as despesas da cremação.
Após o traslado, como já era meio dia, apressaram em levá-la para um regalado almoço. Pesarosa como estava, não digo que ela se refastelou em um pratarraz de comida, mas lambiscou o suficiente para se manter alimentada.
Ela esquecer a companhia de Bartô? Só o tempo se encarregará dessa proeza.