Quando a noite para de sonhar
Tio Yakini, olha aquela estrela, não é bonita, tio? Tio Yakini não deu palavras fingia nunca ver céu mas gostava de ver igual Uhru. De repente, um estrondo, gente correndo de arma nas mãos, gente morta dessanguentando o corpo. Um homem caiu aos pés de Uhru e mortandou. Não era pra Uhru lagrimar nada de nada, menino que andava com Tio Yakini não podia frouxo ser. Se um dia lagrimou Tia Yakini ficou brabo por mais mais. A guerra estava viva naquela terra e seu coração batia com força. Uhru e Tio Yakini procuraram corpos deles esconder dentro de uma moradeira sem teto e paredes desconstruídas. Uhru vontade tinha de chorar, tinha medo de morrer sem ver nunca mais pai que nunca vira. Bombas barulhavam lá fora. Moradeira já dentro Uhru e Tio Yakini só viam poeira. Havia um rádio de pilha no chão tocando uma música. Tio Yakini pegou rádio e botou no ouvido, Uhru também queria ouvidar música que era bonita que nem nunca de vira na vida. Tio Yakini deu rádio pra Uhru ouvidar e pela primeira vez fez dançar o corpo magro coberto de pele preta. Gente preta moradava muito lá. Uhru nunca havia de ter visto gente de outra cor nem sabia que existia. Locutor em rádio começou a locutar com alegria em voz mas veio barulhada de bomba e rádio ficou mudo. Tio Yakini, faz rádio falar. Rádio fala não, Uhuru, Tio Yakini de rádio deve ter mortandado já. E Uhru foi subir degraus de escada pra ver o céu só por mania de ver mesmo. Quanto tempo a gente vai ficar aqui, Tio Yakini? Tempo de guerra mortandar. Uhru pensou que podia ser um tempo pequeno mas depois do seu pensar vieram mais estrondos e desconfiado ficou de ser tempo muito longo. Na moradeira ainda havia água e alguma pouca comida. Fizeram fogueira pra luminar a noite. Uhru pro céu a olhar. Tio Yakini, me conta uma história bem bonita. Tio Yakini cansado de muito andarear não queria história contar não queria dormitar. Uhru história queria ouvidar. Tio Yakini contou história triste assim: Era dia qualquer em que homem saiu do barro e foi ser dono da Terra. Viu o mar, o céu, os animais e as plantas. Tomou posse de tudo e rei fez ser. Matou animal pra comer derrubou árvore pra fogo fazer. Depois vieram outros homens e quiseram reis também ser e brigaram até morrer. Tio Yakini, essa história é de verdade? Não, por quê? Porque parece de com história daqui. É, parece. Quem vai ser o nosso rei, Tio Yakini? Não tem rei, Uhuru. Nunca vai ter rei nessa terra sem chão. E pra que as pessoas brigam, Tio Yakini? Não sei, Uhru. Não sei, Uhuru. Uhru dormitou com cabeça no colo de Tio Yakini. Acordantou com barulho de tiros e tomou susto quando na moradeira entrou homem dessangrando na barriga quase de morto pedindo ajuda. Tio Yakini nem se mexeu. Uhru foi lá e deu água pro desconhecido depois sentou corpo junto dele e ficou olhando pra cara da morte. Naquela manhã Uhru não quis café tomar. Tio Yakini disse que em guerra é assim mesmo, ninguém é inocente, ninguém salva ninguém. Uhru reclamava de tio não ter ajudado desconhecido. Tio Yakini botou corpo de desconhecido dentro da terra quando barulho de bombas e tiros passaram. Tio Yakini, quero ir de voltar. Voltar pra onde? Voltar pra onde não conheço. Então não tem como voltar. Quem volta tem que saber de lugar, lembrar de algo de lá. Uhru ficou pensando se podia vivo no céu chegar. Tio Yakini, no céu só entra morto? Só. Uhru pro céu não podia ir não mas vontade havia muita. Pegou o radinho de pilha mexeu nele mas o aparelho não tinha fala então ele inventou que ouvidava música e começou a dançar no meio dos destroços. Que você está ouvindo aí, Uhru? Música, Tio Yakini. Deixa eu ver isso aqui. Tio Yakini puxou o rádio das mãos do Uhru e quando percebeu que não tinha barulho jogou aparelho na parede e Uhru viu tudo despedaçar. Tio Yakini, por que você fez isso? Porque você mentiu pra mim? Menti não Tio Yakini, eu queria ser feliz, só isso. Tio Yakini saiu pra fora com raiva de Uhru não com raiva daquela maldita guerra que não deixava ele ver vida. Era tarde mas parecia noite. Tanta poeira tanta gente morta tanta gente com fome andando pra lá e pra cá perdidas em si mesmas. Uhru juntava peças do rádio. Veio bomba forte mortandou Tio Yakini lá fora. Uhru quis lagrimar mas Tio Yakini tinha ensinado Uhru não chorar, em tempos de guerra as lágrimas adormecem, ensinara. Uhru não precisava mais ouvir Tio Yakini e deixou nascer choro o resto da tarde a noite toda. Dormitou em cima do corpo de Tio Yakini cantando música dele que Tio Yakini nunca conseguira de ouvidar, de frente a moradeira com gente correndo de balas, de bombas, de tiros, de vida. Dia nasceu, dia bebê, no céu uma estrela ainda piscava e Uhru cavou buraco com as mãos pra plantar Tio Yakini e suas histórias naquela terra que ela dizia não ter chão, depois andareou com mãos soltas, calção sujo, descalço, cabelos empoeirados, rosto com cinzas e sangue de Tio Yakini bem guardado em pernas e braços. Andareava pra vida lembranceando Tio Yakini e se querendo de ver pai que nunca de havia ter visto. Barriga parecia cheia de solidão, porque fome fazia dois dias que não vinha. Bebeu água barrenta no meio da estrada de terra vermelha. Andareou e viu mais gente morta. Gente que atirava em outras gentes. Era quase noite e Uhru andareava olhando pro céu sem olhar em que pisava. Pisou na terra sem chão, explodiu. Uhru deve de ter ido morar no céu.