E se Deus

Na Igreja, durante o sermão, o padre comparou Deus a um poeta. O pequeno Bruno saiu da missa desconfiado e confuso, pois a bíblia não lhe parecia em nada com poesia. Na casa dos tios, onde seria o almoço de domingo, o menino perguntou sobre o assunto para o tio Valdo, na visão infantil, um grande sábio, e ele lhe respondeu. “Deus nunca seria um poeta”, afirmou, “poesia é coisa de gente chata, desocupada, e com muito tempo livre”. “E o que Deus seria? ”, perguntou o pequeno Bruno. “Certamente um engenheiro”, respondeu tio Valdo, orgulhoso. Bruno saiu da casa do tio com a pulga atrás da orelha.

No dia seguinte, na escola, depois de uma bela manhã, o menino foi até a bibliotecária, que lia concentrada um exemplar de Laços de família, de Clarice Lispector, e perguntou a mesma coisa. Dona Rosária era também, na visão infantil, uma grande sábia. A bibliotecária disse que Deus certamente possuía uma alma poética. Bruno aprofundou os questionamentos, disparando: “E se Deus fosse um engenheiro?”. Dona Rosária riu-se. “Ora Bruninho, certamente seria um chato”, respondeu ela.

O garoto continuava confuso, e guardou consigo a dúvida, para exibi-la para outro sábio. Por alguma razão, não a expos aos pais. Mostrou-a, entretanto, para a avó.

“Deus pode ser poeta e engenheiro, querido. Ele pode ser tudo o que quiser”.

A avó piorou as coisas, não resolvendo em nada as dúvidas do menino.

Na volta da casa da avó, que ficava na mesma rua que a casa dele, cruzando a pracinha, reparou num homem dormindo embaixo do banco. Nunca havia ninguém ali na praça, era tudo sempre muito tranquilo.

Bruninho decidiu ousar. Cutucou o homem, que acordou meio assustado e anestesiado.

“E se Deus fosse um engenheiro?”, perguntou Bruninho.

“Ele seria rico”, respondeu o mendigo, sem pensar muito.

“E se fosse um poeta?”, perguntou de novo.

“Ele seria pobre”, respondeu o homem.

“Ele existe?!”. Bruninho estava ficando impaciente

“Sei lá, moleque”.

Bruninho sentou-se no banco, olhando perdido para o céu.

“Moço, o que você acha que Deus é?”

O mendigo levantou-se, limpando as remelas do olho, mirou bem o menino, soltou um arroto de cachaça, e respondeu sorrindo: “Com certeza, deve ser uma criança”.