Um conto de Natal no supermercado
Na extensa fila dos caixas rápidos do supermercado, em ziguezague, nossos olhares se encontraram com a energia de mil e quinhentos watts. Ela sentiu o choque e baixou a cabeça. Na mão esquerda, uma incômoda aliança. Apesar de ser frequentador habitual do estabelecimento, eu nunca a tinha visto ali.
O andamento da fila permitiu que ficássemos frente a frente pela segunda vez. Uma irresistível força oculta colocou nossos olhos em linha novamente. Entretanto ela não suportou mais do que um segundo e desviou o olhar, reprimindo a cumplicidade. Quando ficamos lado a lado, com grande pesar na voz balbuciei você é casada. Ela tornou a baixar levemente a cabeça. Notei duas lágrimas preguiçosas rolando no seu rosto. Apenas para ela escutar, eu disse Feliz Natal! Com a fronte ainda inclinada em direção ao solo, ela balançou discretamente a cabeça em assentimento e moveu os lábios sem voz. Ouvi a resposta: Feliz Natal!
_______
Na ilustração, Uma Beleza Veneziana de Eugene de Blaas (Itália, 1843-1932).