Sem argumentos

Galega sentou-se à beira da cama e começou a pentear os cabelos com a falta de pressa de sempre. Eu gostava perder meu tempo observando a forma que ela se arrumava. Mesmo que ela interrompesse o que estava fazendo diversas vezes, e tivesse que recomeçar do zero algum tempo depois. Mas dessa vez ela não parou até que tivesse terminado. Largou o pente de lado e começou a se alongar, esticando os braços acima da cabeça e virando o corpo de um lado para o outro. Então ela parou subitamente e colocou as mãos na cintura.

- O que você está olhando?

- Só estou olhando para você.

- E o que mais?

- O que mais o quê?

- Quero saber no que você está pensando.

- Não estava pensando em nada.

- Tudo bem então.

Ela se virou e começou a mexer no armário. Pegou uma camisa minha e vestiu. Depois veio até o meu lado da cama e se sentou.

- Eu sei que você estava pensando em algo.

- Aonde você quer chegar com isso, mulher?

- Eu sei quando você está querendo ficar sozinho. É isso, não é? Você quer que eu vá embora.

Fiquei calado.

Ela se levantou e chutou a porta.

- Você é mesmo um filho da puta.

Continuei calado, enquanto ela andava pelo quarto, dando voltas e bagunçando o cabelo que tinha acabado de pentear.

- Eu vou embora. – Disse finalmente.

- Posso falar algo antes de você ir? – Perguntei.

Ela me olhou com os olhos injetados e falou com certo cinismo.

- Por favor.

- Eu não quero que você vá embora. Nem estava pensando isso.

- E no que você estava pensando?

- Estava imaginando que uma hora ou outra você ia procurar algum motivo para ir embora.

- O que você quer dizer com isso?

- Que você não está acostumada com isso tudo aqui.

Galega respirou fundo e trincou os dentes.

- O que você quer que eu diga?

- Eu não quero que você diga nada. Mas me dava por satisfeito se você parasse de procurar motivos para não ficar bem.

- Então agora a culpa é minha?

- A culpa não é de ninguém. Você é você. Eu sou eu. Eu gosto quando você se deixa ficar por aqui, mas eu sei que no fundo tem algo que te incomoda. Só nunca tive coragem de perguntar o que é.

- Porra!. – Ela disse... e nesse momento eu soube que tínhamos chegado ao ponto, finalmente.

Galega tirou a camisa que tinha acabado de vestir e jogou no chão.

- Preciso de um banho de cabeça antes...

- Tudo bem. – Respondi.

Ela foi andando até o banheiro e encostou a porta atrás de si. Logo ouvi o barulho do chuveiro e senti o cheiro do xampu que ela usava invadindo o quarto.

Saltei da cama e fui atrás dela.

Galega estava de olhos fechados embaixo d’água quando eu entrei no banheiro. Abri o box de vidro e ela abriu os olhos.

Ficou me olhando sem dizer nada.

Puxei ela pela cintura e lhe dei um beijo. Apesar de eu já tê-la beijado centenas de vezes, aquela vez parecia diferente. E eu não sabia ao certo o que havia mudado.

Ela se afastou um pouco e virou de lado, como se tivesse tentando fugir de alguma coisa.

- Como vou saber que eu sou diferente das outras?

- Que outras?

- Das mulheres das histórias que você me conta.

- Por que elas estão no passado e você está aqui... Agora.

- Mas posso não estar amanhã.

- Francamente. É mais fácil que você me deixe, do que o contrário.

- O que te faz pensar assim?

- Isso. – Eu disse. Puxando o seu corpo para próximo do meu. E ela virou de costas, se reclinou e encostou as mãos na parede.

Ela era quente.

Era bom estar dentro dela. De uma forma que toda a briga pareceu irrelevante. Não havia argumentos contra aquilo. Não havia sequer espaço para argumentação.

Eu estava perdido. Completamente perdido.

Ela virou o rosto de lado e pude ver que ela estava sorrindo, como se soubesse o que eu estava pensando.

Enfim. Tudo ficaria bem.

Pelo menos por enquanto.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 18/12/2019
Código do texto: T6822080
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