O desalento da partida
O sol se esvai lentamente, e a escuridão inicia sua trajetória, acompanhada pelo som roufenho da Ave-Maria vinda do alto-falante da igreja. Na sala de jantar, a família está reunida ao redor da mesa, mas pouco se come. Com a expectativa do esvaziamento da casa, a conversaria reinante de dias anteriores é substituída por um silêncio incômodo e carregado de nostalgia. Ninguém consegue disfarçar a tristeza. A Ave-Maria sai de cena, dando lugar às canções tristes que brotam do rádio de pilha. Francisco Alves entoa "Serra da Boa Esperança", uma bela canção de Lamartine Babo, gravada pelo "Rei da Voz", que trata de despedida e gratidão. "Parto levando saudades, saudades deixando / Murchas caídas na serra lá perto de Deus / Oh, minha serra, eis a hora do adeus, vou-me embora / Deixo a luz do olhar no teu luar / Adeus". Um rito emotivo e incontrolável toma conta de todos.
Lágrimas escorrem, explícita ou disfarçadamente, das faces ao redor da mesa. Primeiro lentamente, e logo em seguida, abundantemente, junto com uma explosão de soluços reprimidos. Como em um sincronismo de queda de peças de dominó enfileiradas, todos iniciam o choro, apesar das tentativas frustradas de refrear o pranto. Na busca por contê-lo, alguns fingem impaciência e se levantam bruscamente, sem nem bem saber para onde ir. O triste jantar da partida termina sem ao menos ter começado.
Ainda escuro, nas primeiras horas da manhã, após uma noite praticamente insone, o preparo para a viagem de volta é inevitável; não há o que fazer. A tristeza típica da madrugada permeia o abatimento geral. O frio invade os ossos, a neblina fria e cinzenta fica ainda mais cinzenta, o coração aperta, e sente-se aquela sensação de "vazio no estômago". Difícil descrever a desolação que toma de assalto tanto os que ficam quanto os que partem. Subitamente, alguém toma a frente para arrumar as bagagens no carro compartilhado com outros viajantes. Tarefa difícil; bagagem demais para pouco espaço. A impaciência e o mau humor na arrumação são um bom motivo para esconder o desalento.
Impasse resolvido, iniciam-se os abraços difíceis de serem desatados ou, em outros casos, excessivamente rápidos, seguidos de choros silenciosos. Uma vontade repentina, sempre presente nesses momentos: que o carro quebrasse e a viagem fosse adiada por algumas horas ou dias, para mitigar, ainda que por pouco tempo, a infelicidade daquele instante. Depois de uma penosa despedida, o carro inicia seu lento movimento pela praça, sumindo logo mais na primeira esquina. Paralisados na calçada, todos acompanham a partida em silêncio, com o olhar perdido e uma expressão total de desconsolo. Assim que o carro desaparece de vista, como se houvesse uma combinação prévia, todos se dispersam como por encanto. Cada um procura um canto para curar a saudade, seja chorando baixinho, seja rezando, ou quieto, sem qualquer reação. Os soluços são escutados ao longe. A saudade é persistente.
Nas crianças, ao contrário, a saudade se esvai rapidamente. O instinto infantil intui que, nos momentos pós-partida, há um estoque imenso de carinho à disposição. O final da tarde se aproxima, e a nostalgia do entardecer é ampliada, mais uma vez, pela Ave-Maria do alto-falante e do rádio de pilha. Sorrateiramente, as crianças se aninham ao colo materno, no edredom de seda, azul de um lado e rosa do outro, deliciosamente frio e aprazível, para usufruir do carinho acumulado e sentir o aconchego inenarrável que flui do seio materno, em meio à lembrança triste da partida.