Sobre homens e monstros

Robson acelerou o carro e se enfiou no meio da avenida, como se tivesse correndo sozinho no meio da noite. O copo de café respingou com o balanço, mas ele finalizou o seu conteúdo com um gole só e o jogou de lado. Pensou em furar o primeiro sinal vermelho que deu de cara, mas desistiu no último momento e parou quase na faixa de pedestres. Ele aproveitou o momento para acender um cigarro e percebeu uma garota se aproximando da janela com um sorriso no rosto.

- Tá afim de companhia hoje? – Ela perguntou.

- Não exatamente – Respondeu.

Ela se aproximou ainda mais e olhou nos olhos de Robson.

- Tem uma sombra nos teus olhos, moço. É como se algo tivesse te comendo de dentro pra fora.

- É mesmo?

- É sim.

- E o que mais?

- Minha cigana está dizendo que eu não devia me aproximar de você.

- Quem é sua cigana, e por que ela diria algo assim?

- É uma entidade que me guarda. Nessa vida que eu levo, a gente precisa de todo tipo de proteção.

- Não é algo em que eu acredite.

- Tudo bem, o mundo está mesmo cheio de céticos. Me dá um cigarro pelo menos?

Robson tirou um cigarro do maço e entregou à garota.

- Obrigado, moço. Dirige com cuidado. Deus te abençoe.

A garota virou as costas e voltou para a calçada, e Robson acelerou o carro assim que o sinal ficou verde.

Seguiu dirigindo sem muito objetivo, virando uma rua após a outra, sem saber exatamente para onde estava indo. Parou enfim na beira-mar e desceu para fumar com calma. Encostou-se no carro ficou olhando as ondas quebrando contra a praia. A paz daquela visão lhe trouxe um incômodo para dentro do estômago e o fez lembrar do que a garota havia dito sobre a sombra em seus olhos. Robson jogou para longe o cigarro que tinha aceso na ponta dos dedos e voltou para dentro do carro.

Dirigiu até onde tinha encontrado a garota e a procurou na esquina. Depois de um tempo, a avistou encostada numa parede fumando sozinha.

Robson fez um sinal para que ela viesse até ele, e ela começou a andar, sem presa alguma.

Ela se encostou no carro e falou, com um tom levemente cínico.

- Mudou de ideia?

- Entra aí.

- Não quer nem saber quanto vai custar?

- Depois você me fala.

- Tudo bem, então.

A garota arrodeou o carro e entrou pela porta do passageiro. Cruzou as pernas e descansou a bolsa em seu colo.

- Você não é daqueles tipos violentos, não é?

- Não é do meu hábito.

- Eu aprendi a ter receio de homens calados.

- Você não precisa ter receio de mim.

Robson se calou e dirigiu até o seu apartamento, que não ficava longe dali.

Estacionou o carro na esquina e os dois desceram na frente do prédio. Seguiram calados pela portaria, e Robson fingiu não ver os olhares inquisitivos do porteiro, que claramente tinha reconhecido que ele estava entrando no prédio com uma garota de programa.

Tomaram o elevador em silêncio e a garota ficou mais quieta do que ele esperava que fosse ficar, enquanto subiam.

Robson abriu a porta do apartamento e saiu desviando das cadeiras e das coisas que tinha espalhadas pela sala.

- Pode se sentar. Vou trocar de roupas – Ele disse, apontando para o sofá, encostado à beira da janela.

- Tudo bem. Mas o tempo já está contando viu, meu amor?

- Não se preocupa com isso.

- Tudo bem. Tudo bem. É você que está pagando.

- Exatamente.

Robson foi até o seu quarto e voltou depois de um tempo de bermuda e sem camisa. Puxou uma cadeira e colocou de frente ao sofá. De forma que ficou cara a cara com a garota.

- Posso saber o seu nome? – Perguntou.

- Beatrice.

- É esse o seu nome de verdade?

- Não. Mas é o nome que eu uso hoje em dia.

- Ok.

- Você tem outro cigarro? - Ela perguntou.

Robson lhe deu o maço de cigarros e um isqueiro e disse.

- Pode fumar à vontade. Quer uma cerveja?

- Aceito.

Ele foi até a cozinha e voltou com duas latas. Entregou um a Beatrice e abriu uma para si mesmo.

- Bem. Quero entender melhor o que você falou sobre a sombra nos meus olhos e sobre algo me comendo por dentro. E sobre essa história de cigana.

- Sério que você me chamou aqui pra isso? Eu achei vinha aqui pra usar a boca de outro jeito, não pra falar.

- Por enquanto eu ficaria satisfeito em saber o que você queria dizer com aquilo. É algo que você diz pra todo mundo?

- Não, meu bem. O que eu disse era exatamente pra você.

- E o que significa?

- Eu preciso perguntar.

- Perguntar a quem?

- A pessoa que me guarda.

- E quem é ela?

- Você não precisa saber disso. Ela não gosta que eu fale sobre ela.

- Então Ok. Só me explique melhor.

Beatrice ficou um tempo olhando para o teto e então quebrou o silêncio.

- Pois bem. Você tem essa sombra. Esse vazio. Essa dor que guarda ai dentro. E ela transborda pelos teus olhos. Por isso que dizemos que os olhos são as portas da alma.

- Entendo.

- Essa sombra ainda vai te comer, moço. Se você não botar ela pra fora.

- E como eu faço isso?

- Eu não tenho como saber. O teu monstro é só teu. Só você sabe o que ele come. Só você pode alimentar ele, ou matar ele de fome.

Beatrice deixou a lata de cerveja sobre o sofá e se levantou. E então desabotoou o short com um movimento rápido. A peça de roupa caiu no chão quase que instantaneamente e ela revelou uma calcinha vermelha que usava. Ela foi até as costas da cadeira onde Robson estava sentado e repousou as mãos sobre os seus ombros.

- Sabe como eu mato os meus monstros? – Ela sussurrou no ouvido de Robson.

- Como?

- Eu transo com eles.

- Como assim?

- Desde criança eu fui apresentada ao monstro que vive dentro dos homens. E desde muito cedo eu sou assombrada por eles. E nós só superamos nossos fantasmas quando descobrimos as fraquezas deles... Não existe nenhum momento em que um homem esteja mais vulnerável do que depois que ele goza. Depois do que ele consegue o que ele quer com uma mulher. E eu gosto de me imaginar matando todos os homens com quem eu transo. E assim os meus monstros vão morrendo com eles.

Robson ficou calado tentando absorver o que ela havia dito.

- Isso não é algo que soa muito atraente para sua clientela, não é?

- Só estou falando por que você entrou nesse assunto. Eu preferia estar pelada agora, em cima de você e me imaginando com uma faca no seu pescoço.

Robson ergueu o braço e a puxou pelo pulso para o seu colo.

- E o que você acha que eu posso fazer para matar o meu monstro?

- Não sei meu bem. Eu sou puta, e não psicóloga. Você poderia começar procurando um profissional da área correta.

- Faz sentido. Mas agora eu acho que estou com vontade de ver o que você pode fazer por mim esta noite.

Beatrice deu um sorriso e levou as mãos às costas, soltando a presilha do top que lhe cobria os seios.

- Se é para isso, estou sempre às ordens, meu bem.

Robson sorriu e se perguntou como estariam as sombras dos seus olhos no dia seguinte.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 17/12/2019
Reeditado em 21/02/2020
Código do texto: T6821055
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